As minhas leituras

É difícil situar no tempo o meu primeiro contacto com os livros. Lembro-me de ter livros desde sempre, de brincar com eles, eram de pano os primeiros, liam-mos, eu memorizava-os e fingia que os lia. Como faz hoje a minha filha de três anos.

As histórias, contadas ou cantadas, foram uma constante ao longo da primeira infância. Pela voz da minha mãe, inevitavelmente, das minhas tias – são muitas.
Foi assim, claro, que conheci o Capuchinho Vermelho, a Cinderela, Os Três Porquinhos e que aprendi a ter medo do lobo mau. Algumas histórias assustavam-me, como João e Maria e uma outra a que chamavam Rola, Rola Cabacinha. Uma tia alterava-lhe piedosamente o final, por achar, também ela, que a criada que lha contara exagerara na fidelidade ao original.

Os primeiros livros que li foram, inevitavelmente, os da Anita. Foram os meus favoritos durante muito tempo, não só para ler, mas também para oferecer às amigas nos seus aniversários.
Nas manhãs de sábado, deliciava-me à roda das mesas de uma livraria desaparecida há quase trinta anos, escolhendo o livro dessa semana.
Eu, a minha irmã e as primas trocávamo-los, depois, o que nos permitia expandir a biblioteca.
Os livros da colecção Formiguinha tinham o tamanho ideal: iam, aos seis de cada vez, no bolso da bata, para ler durante o recreio, no Colégio – e tinham a dimensão certa também quanto ao texto em si. Evitavam-me a vergonha do mau jeito para participar nas brincadeiras mais “físicas” das amigas e davam-me o conforto de uma pausa mais “à minha maneira”.
Como todas as meninas da minha geração, li toda a Condessa de Ségur, que havia deliciado as minhas tias, também, no seu tempo, e devorei a Enid Blyton: Os Cinco, Os Sete, As Gémeas… À mistura com os contos de Andersen, o preferido durante muitos anos, tantos que ainda hoje ocupa um lugar especial, Grimm, as fábulas de La Fontaine.
Mais tarde, O Principezinho fez as minhas delícias: reli-o vezes sem conta, coleccionei-o em todas as línguas – numas li, noutras não, claro. Marcava maratonas de leitura com as amigas: “Começamos todas às nove. Amanhã contamos a que horas acabámos.” Os telemóveis, as mensagens, os mails, eram uma realidade nem sequer sonhada.

Ainda durante a adolescência, passei por Júlio Dinis e algumas coisas de Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós, desta vez pela mão do meu pai, mas também pela curiosidade que uma lombada me suscitava, entre tantas, numa prateleira. Ou pelo bem que me sabia ler o que o avô tinha lido, à luz da vela.

O ponto de viragem nas minhas leituras aconteceu numa aula de Filosofia, no 10º ano – tinha eu quinze anos. O professor desafiou-me a ler A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera. Digo que me desafiou porque foi isso mesmo que ele fez: “Não sei se vais conseguir.” Não apenas consegui: devorei. E as minhas leituras mudaram de rumo. Li todos os livros do Kundera e daí passei para uma série de outros autores – quase sempre estrangeiros – que escolhia por pertencerem à mesma colecção e terem títulos chamativos, ou por sugestão de professores, muitas vezes, mas sobretudo de um livreiro amigo, que foi o maior amante de livros que conheci. E acertava sempre.

Na altura em que estalou a polémica em torno de Os Versículos Satânicos, de Salman Rushdie, e na indisponibilidade deste título em tradução portuguesa, comecei por outros dois do mesmo autor: Vergonha e Os Filhos da Meia-Noite. Pela mesma altura, li O Perfume, de Patrick Süskind, que continuo a considerar um dos mais belos romances. (Tenho muitos nesta categoria…)

Gabriel García Márquez entrou na minha vida com O Amor nos Tempos de Cólera, que já reli umas vezes. Depois, Cem Anos de Solidão e só mais tarde, quando comecei a frequentar a Feira do Livro do Porto, conheci os seus contos e novelas. Não vou citar títulos: li todos. Encontrava-os já à saída da feira, numa pequenina banca da Gradiva e excedia sempre o orçamento que impusera a mim própria à entrada. Posso dizer que é o meu autor preferido. Lê-lo é como tomar o pequeno-almoço sobre um enorme relvado de frente para o mar das Caraíbas. É assim que imagino o sítio onde ele escreve.
Por gostar tanto dos seus livros, cheguei a outros latino-americanos, também sob a égide do realismo mágico: Carlos Fuentes, Isabel Allende, Mário Vargas Llosa.
William Somerset Maugham parece-me o exemplo maior de que escrever bem é escrever simples. Os seus livros, assim como os de García Márquez, embora em estilos muito diferentes, juntam o melhor de dois mundos: contam belíssimas histórias, escritas de forma magistral.

Mais recentemente, A História de Lucy Gault, de William Trevor, Memórias de um Anão Gnóstico, de David Madsen, A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón, As Velas Ardem até ao Fim, de Sándor Márai, e Gaspar, Belchior e Baltazar, de Michel Tournier, foram livros que me marcaram, também.

Entretanto, comecei a perceber que o Inglês que ensino (quinto e sexto anos de escolaridade) é muito pouco para manter viva uma língua estrangeira. Percebi que eu, que estudei Shakespeare na Faculdade, um dia não saberia Inglês suficiente para fazer check-in num hotel, para pedir uma refeição num restaurante… Decidi que não leio traduções se a língua de partida for o Inglês. E só tenho a ganhar. Uma tradução, muitas vezes, parece-me impressa em papel vegetal, através do qual se vê o texto original. E isso é terrível. Outras vezes deturpa o original, como que o recria. E não para melhor, pelo menos no caso de Lolita, de Vladimir Nabokov, em que abandonei a tradução e optei pela versão inglesa. Quando leio uma tradução, não sei porquê, dou comigo a tentar adivinhar as palavras que o autor usou, em Inglês. É impossível ler assim…

Quanto aos contos, que prefiro em alturas de mais trabalho, em que tenho menos disponibilidade intelectual para me dedicar à complexidade de um romance e da sua galeria de personagens, e depois de García Marquez, que vem sempre à cabeça, gosto dos autores russos, sobretudo de Tchékov.

Não me preocupa que me acusem de ser uma devoradora de livros – na verdade, é isso mesmo que sou. Sou selectiva no que diz respeito ao que leio, mas leio muito. Sinto um imenso prazer no acto da leitura de boas histórias, bem contadas. Não raras vezes, ofereceram-me livros de autores que não conhecia. Em conversa com o tal livreiro de quem já falei, e cujo nome me parece que não devo citar, ouvia-o sentenciar: “Escreve a metro!”. Foi assim que alguns livros acabaram por permanecer na prateleira. Talvez um dia chegue a sua vez.

Já disse tanto e falta falar de tantos livros, de tantos autores. Faltam, por exemplo, os portugueses que comecei a ler nos tempos de Faculdade, sugeridos por professores, oferecidos pelos meus pais, escolhidos através de críticas que lia em revistas, em jornais, e de que devo destacar Vergílio Ferreira, José Saramago, Jorge de Sena, Eugénio de Andrade – estes dois já no campo da poesia.

Fica para outra vez.

A manta das histórias

A pequena aldeia onde Babba Zarrah vivia ficava situada nas montanhas cobertas de neve. Babba Zarrah tinha uma manta das histórias, na qual as crianças adoravam sentar-se a ouvi-la.

Certo dia, enquanto contava uma história, a velhinha reparou que o sapato de Nicolai tinha um buraco. Depois de as crianças terem ido embora, Babba Zarrah decidiu tricotar-lhe umas meias bem quentinhas. Mas, como tinha caído imensa neve naquele Inverno, ninguém aparecera na aldeia a entregar lã. Como poderia ela tricotar meias sem lã?

— Todas as perguntas têm uma resposta — disse a bondosa senhora. — Só tenho de a encontrar.

Deitou chá doce num copo, porque esta bebida ajudava-a a pensar. Bastaram-lhe três golinhos para saber o que havia de fazer.

— Vou desfiar um pouco da manta das histórias e usar a lã para tricotar as meias de Nicolai! — exclamou.

Quando a noite ia alta e já todos dormiam, Babba Zarrah percorreu os caminhos de neve e deixou as meias à porta do menino.

Pouco tempo depois, o carteiro encontrou um cachecol enrolado no seu saco, mesmo antes de começar a distribuição do correio.

— Sabem quem o fez? — perguntou a todos que encontrou.

Mas ninguém sabia.

O professor ficou admirado ao ver um par de luvas quentes em cima da pilha de troncos que ia colocar no fogão da escola.

Quanto à Sra. Ivanov, afastou os corvos da corda de secar a roupa com o avental que descobriu junto à bomba da água.

E não tardou muito até que a dona da mercearia usasse um xaile novo em vez do velho que tinha, já comido pelas traças.

As crianças tinham de sentar-se cada vez mais juntinhas, sempre que vinham ouvir uma história.

Cada dia que passava, os aldeões ficavam mais curiosos.

A bebé Olga recebeu um misterioso e fofinho cobertor, enquanto o talhante exibia um moderno gorro de malha a cobrir a careca brilhante.

E as crianças apertavam-se cada vez mais na, agora, pequena manta das histórias.

Quando o gato do alfaiate apareceu, ronronante e importante, dentro de uma confortável capinha de lã, deixou de haver manta.

Os aldeões pediram ao presidente da junta para os ajudar a resolver o mistério.

— Vocês sabem o que a Babba Zarrah diz sempre — respondeu ele. — Todas as perguntas têm uma resposta.

Quando as crianças viram as meias, o cachecol, as luvas, o avental, o xaile, o gorro, a manta da bebé, e a capinha do gato, exclamaram em uníssono:

— Parece a velha manta das histórias da Babba Zarrah!

— Mas ela já não a tem! — disse Nicolai.

— Ora aí está! A Babba Zarrah usou a manta para fazer tudo isto! É a nossa vez de lhe fazermos uma surpresa.

Então, enquanto Babba Zarrah dormia, alguns novelos de lã, proveniente dos cobertores de cada casa, foram deixados na soleira da sua porta.

A velhinha ficou admirada quando abriu a porta na manhã seguinte. Nunca tinha visto tanta lã, e tão colorida. Em cima do montinho, havia um letreiro que dizia:

Para a sua nova manta

Quando as crianças regressaram a casa de Babba Zarrah para ouvir uma história, sentaram-se numa manta nova e colorida, e ouviram um conto sobre uma aldeia onde todos partilhavam o que tinham.

Enquanto se despedia das crianças, Babba Zarrah reparou num buraco na camisola de Alexandra. Queria tricotar-lhe uma surpresa, mas ainda havia neve nas colinas e a aldeia não tinha lã.

A velhinha sabia que todas as perguntas têm uma resposta. Então, olhou para a sua nova manta das histórias e sorriu.

Ferida Wolff; Harriet May Savitz
The Story Blanket
Atlanta, Peachtree Publishers, 2008
(Tradução e adaptação)

Crucifiquem-me

Como professora de Língua Portuguesa, quero que os meus alunos aprendam tudo sobre o texto narrativo, o texto poético e dramático. Quero que dominem a morfologia e a sintaxe. Que se exprimam oralmente e por escrito com crescente mestria.
Mas se eu não conseguir nada disto e se os meus alunos saírem da minha sala a gostar de ler, aí sim. Terei atingido o meu objectivo mais querido, aquele que me tira da cama todos os dias.
É por isso que lhes leio tanto, quase todas as aulas. E eles já me apanharam o pulso. Sabem que há sempre novidades, e sabem que eu estou sempre mortinha por lhes ler mais um conto.

O rei Canuto à beira-mar

Há muito tempo, a Inglaterra era governada por um rei chamado Canuto. Como costuma acontecer com muitos líderes e homens de poder, Canuto estava sempre cercado de pessoas a enaltecê-lo. Bastava entrar num aposento qualquer e já começavam os elogios.
— Vossa Excelência é o homem mais glorioso que já surgiu na face da terra — dizia um.
— Jamais haverá alguém tão poderoso quanto Vossa Majestade — reforçava outro.
— Nada há que Vossa Alteza não seja capaz de fazer — comentava entre sorrisos um terceiro.
— Grande Canuto, monarca de todos! Nada neste mundo ousa desobedecer a vossas ordens — alguém mais dizia em seu louvor.
O rei era uma pessoa bastante sensata e estava a ficar cansado de todas aquelas tolices.
Um dia, caminhava pela beira-mar, e os seus reais dignitários e fidalgos acompanhavam-no, tecendo-lhe elogios como de costume. Canuto decidiu ensinar-lhes uma lição.
— Pois então, dizeis que sou o maior do mundo? — perguntou a todos os presentes.
— Ó rei — responderam — nunca houve alguém tão poderoso, nem jamais existirá quem tenha tanto valor!
— E dizeis também que tudo me obedece?
— Perfeitamente! O mundo curva-se diante de vós e honra-vos.
— Entendo — disse o rei. — Então, trazei a minha liteira, e vamos para a água.
— Imediatamente, Alteza! — E desceram todos, carregando o assento real pelas areias da praia.
— Vamos mais para perto — ordenou Canuto. — Colocai a liteira aqui mesmo, na beira da água. O rei então sentou-se e ficou a observar o oceano à sua frente. — Vejo que a maré está subir. Deter-se-á, se eu assim ordenar?
Os conselheiros ficaram perplexos, mas não ousaram dizer que não. — Ordenai, ó Grande Rei, e o oceano obedecer-vos-á — garantiu-lhe um deles.
— Pois bem! Oceano — gritou Canuto — ordeno que te detenhas. Maré, interrompe o teu fluxo. Ondas, deixai de rebentar na praia. Não ouseis tocar-me.
Esperou em silêncio alguns instantes, até que uma pequena onda veio espraiar-se aos seus pés.
— Como ousas! — gritou Canuto. — Oceano, afasta-te já. Ordenei que te recolhas diante de mim, e deves obedecer-me. Afasta-te.
E a resposta foi outra onda que veio rebentar ali, bem junto dos pés do rei. A maré subia, tal como sempre fizera. A água aproximava-se cada vez mais. Atingiu a liteira, e molhou não somente os pés do rei, mas também o seu manto. Os conselheiros estavam todos ao seu redor, alarmados, e desejosos de saber se ele não se irritaria.
— Ora, meus amigos — disse Canuto — parece que não tenho tanto poder quanto me fazeis acreditar. Talvez tenhais aprendido algo no dia de hoje. Talvez agora fiqueis a saber que só há um Rei todo-poderoso, que governa o mar e detém o oceano na palma da mão. Sugiro que guardeis as vossas expressões de louvor para Ele.
Os conselheiros e dignitários do rei baixaram a cabeça e sentiram-se ridículos. E dizem por aí que, pouco depois, Canuto tirou da cabeça a coroa e jamais voltou a usá-la.
William J. Bennett
O Livro das Virtudes
Editora Nova Fronteira, 1995
adaptado

Uma longa sesta

A Família Porco-Espinho leva a questão do sono tão a sério que faz questão de dormir durante todo o Inverno. Mas ainda havia tanto para preparar… o que o Chico, o filho mais velho, gostava mesmo de fazer era recolher maçãs para o famoso sumo e a não menos conhecida compota da Mamã Porco-Espinho, pois podia sempre dar uma dentada aqui e ali… só para ver se as maçãs estavam suficientemente maduras!
Realmente, a Mamã Porco-Espinho fazia tanto sucesso com o sumo e a compota que as amigas estavam sempre a pedir a receita.
– É segredo! – respondia-lhes ela, mas depois brindava-as com uma garrafinha de sumo ou uma bela compota…
Ora, talvez o segredo da sua receita fosse a colaboração de todos os membros da família: enquanto a Mamã cozia as maçãs para fazer a compota, o Chico ajudava o Papá a fazer o sumo, a Quica decorava e colava os rótulos nas garrafas e nos frascos, e o Tico, o bebé da família, provava o resultado final e dava a sua opinião!
– Ele é que tem sorte! – exclamavam o Chico e a Quica, rindo-se.
Mas o tempo corria depressa e a Família Porco-Espinho tinha mesmo de ultimar os preparativos. O Papá pedira aos gansos para guardarem as penas que lhes fossem caindo, e eles assim fizeram. Agora, em troca de umas compotas de maçã, a Família Porco-Espinho recebia um enorme saco cheio de penas de ganso, que utilizaria para fazer a colcha cor-de-rosa que a Quica tanto queria. E era ela própria quem ia fazê-la! Mas seguindo as indicações da mão e com a ajuda do Chico, depressa a acabou.
– Está a nevar! – gritou ela uma manhã, ao espreitar pela janela.
– Então, temos de nos despachar! – disse o Papá Porco-Espinho, colocando mais lenha no fogão de sala, para que a casa ficasse quentinha o Inverno todo.
– Vais dormir uma bela e longa soneca – explicava a Mamã ao Tico, que ia fazer a sua primeira hibernação.
– É que está a chegar o Inverno, vês? – continuava o Chico, apontando para o calendário. – E no Inverno costumamos hibernar, pois está muito frio para brincar… Hihihi!
Então, todos os membros da Família Porco-espinho vestem os seus pijamas, e o Papá programa o despertador que os acordará na Primavera. Era um despertador diferente, pois em vez de mostrar as horas, mostrava as estações do ano. A melancia representava o Verão, a castanha simbolizava o Outono, o azevinho indicava o Inverno, e a flor…
– Já está! Já programei o despertador para nos acordar na Primavera… Quando aparecerem as primeiras florzinhas, o despertador dará sinal – anunciava o Papá, olhando para os filhotes.
O Tico já dormitava, e o Chico e a Quica já bocejavam, sinal de que estava na hora… de iniciarem uma longa sesta.

– Dorme bem, Mamã!
– Dorme bem, Papá!
– Dorme bem, Chico!
– Dorme bem, Quica!
– Dorme bem, Tico!

Anna Casalis
Boa Noite, Ursinho!
Edições Asa, 2007

Quem semeia ventos colhe… incêndios

Numa aldeia russa, vivia um camponês chamado Ivan. Estava bem na vida. Era o melhor trabalhador da aldeia e tinha três filhos saudáveis, que também eram bons trabalhadores. O seu velho pai era o único na família que não podia trabalhar, mas cuidavam dele muito bem. Tinham tudo o que precisavam para comer e vestir, e teriam sido felizes se não fosse o vizinho de Ivan, Gavrilo, o coxo. Ivan e Gavrilo detestavam-se.

Tinham sido bons amigos até ao dia em que algo acontecera – algo de tão ridículo e insignificante! Uma galinha que pertencia à filha de Ivan pôs um ovo no pátio de Gavrilo. Todos os dias, a galinha punha um ovo no galinheiro. Quando a filha a ouvia cacarejar, ia buscar o ovo. Mas, daquela vez, os rapazes tinham assustado a galinha e esta tinha saltado a vedação. A filha de Ivan estava ocupada nesse dia e só foi buscar o ovo à noite. Não conseguiu encontrá-lo e os rapazes disseram-lhe onde o procurar. Foi então a casa do vizinho e encontrou a mãe de Gavrilo.

― O que queres, rapariga?

― Avó, a minha galinha esteve hoje no seu pátio. Não pôs lá nenhum ovo?

A velha pensou que a filha de Ivan estava a acusá-la de ter pegado no ovo e respondeu-lhe torto.

― Não lhe pus a vista em cima. Nós temos as nossas galinhas e já há muito tempo que elas andam a pôr. Apanhamos os nossos ovos e não precisamos dos ovos dos outros. Ó rapariga, não precisamos de ir para os pátios dos outros apanhar ovos!

A filha de Ivan não gostou nada do que ouviu. Respondeu desabridamente, e a mãe de Gavrilo foi ainda mais desabrida. A mulher de Ivan passou por ali (tinha ido buscar água) e, nesse momento, a mulher de Gavrilo saiu de casa. Começaram todas a falar ao mesmo tempo, a ralhar e a insultar-se. Depois vieram os maridos, que tomaram o partido das respectivas mulheres e começaram à pancada. E Ivan, que era mais forte, feriu Gavrilo, o coxo.

Gavrilo levou o caso ao tribunal da aldeia, declarando que queria que Ivan fosse castigado. Quando o pai de Ivan ouviu isto, falou com firmeza.

― Rapazes, vocês estão a fazer uma asneira. Pensem bem! Tudo começou por causa de um ovo. Um ovo não vale muito. Há que chegue para todos. Foram ditas muitas palavras incorrectas; agora mostrem como se dizem palavras simpáticas. Façam as pazes e acabem com tudo isto. Se persistirem no erro, será cada vez pior.

Mas Ivan e a família não o escutaram. Pensavam que o velho estava a dizer disparates. Em vez de fazerem as pazes, Ivan foi a tribunal e tentou que Gavrilo fosse punido por lhe ter rasgado a camisa enquanto discutiam por causa do ovo.

Depois disso, os vizinhos discutiam todos os dias e sempre por motivos mesquinhos. Foram a tribunal tantas vezes que o juiz já estava cansado de os ver. E assim continuaram durante seis anos.

Por fim, a filha de Ivan acusou publicamente Gavrilo de roubar cavalos, e Gavrilo bateu-lhe de tal forma que a deixou de cama durante uma semana. Desta vez, o caso era mais sério e, quando Ivan levou o caso a tribunal, o juiz deu ordem para que Gavrilo fosse chicoteado. Era uma forma muito dolorosa de punir as pessoas culpadas. Quando Gavrilo ouviu o que iria acontecer-lhe, ficou tão branco e protestou tão veementemente que até o juiz teve medo e pediu a Ivan que lhe perdoasse e desistisse do caso. Mas Ivan não cedeu e foi para casa dizer ao pai que Gavrilo iria finalmente ser castigado.

― Ivan ― disse o velho ― não estás a proceder correctamente. Vês a maldade dele mas esqueces-te da tua. Jesus ensinou-nos algo de diferente. Se te insultam, mantém-te calado. Se te baterem, oferece a outra face. Faz as pazes com ele. Não é tarde demais para evitares que ele seja castigado, e o convidares para jantar, a ele e à família.

Como Ivan não se mexesse, o pai continuou:

― Não te demores, Ivan. A tua raiva é como o fogo. Apaga-a no início porque, se ela começar a alastrar, não poderás controlá-la.

Ivan começava a entender o que o pai queria dizer. Preparava-se para ir fazer as pazes quando as mulheres chegaram e disseram que Gavrilo estava tão zangado que ameaçara pegar fogo à casa. Então, Ivan ficou outra vez furioso, como se ele próprio estivesse a arder, e não desistiu do castigo de Gavrilo.

Nessa noite, Ivan lembrou-se do que Gavrilo dissera a propósito de atear um incêndio. Ficou tão perturbado que saiu para inspeccionar o pátio. Caminhou lentamente ao longo da vedação. Tinha acabado de virar a esquina quando lhe pareceu que algo se mexera na outra ponta, algo que se teria erguido e voltado a baixar. Ivan ficou quieto. Escutou e olhou: estava tudo sossegado; apenas o vento agitava as folhas do salgueiro e a palha. Estava escuro como breu mas os seus olhos habituaram-se à escuridão. Continuou a olhar, mas não viu ninguém.

― Devo ter-me enganado ― disse Ivan ― mas vou ver.

Avançou tão devagar que nem os próprios passos ouvia. Chegou à esquina e parou. Conseguia ver claramente alguém, com um boné na cabeça e agachado de costas para ele, a pegar fogo a um feixe de palha que tinha nas mãos. Ficou imóvel.

“Agora”, pensou, “não vai escapar-me. Vou apanhá-lo com a boca na botija.”

De repente, tudo se iluminou. A chama lambeu a palha no barracão e saltou para o telhado. Já não era um pequeno fogo. Ivan conseguiu ver Gavrilo e correu para ele. Mas Gavrilo fugiu e, apesar de coxo, correu como uma lebre. No entanto, Ivan ainda conseguiu apanhá-lo pela aba do casaco. Só que a aba rasgou-se, Ivan caiu e magoou-se na cabeça. Quando se levantou, Gavrilo tinha fugido. O incêndio era tão forte que parecia dia em vez de noite. Ivan conseguia ouvir os bramidos e a crepitação no seu pátio. Foi então que viu a palha a arder em direcção à casa.

Ivan tentou apagar o incêndio. “Se ao menos conseguisse tirar a palha para fora do barracão e apagar o fogo!”, pensou. A princípio, os seus pés não se mexiam. Depois, tropeçaram um no outro. As pessoas vinham a correr, mas já nada podia ser feito. Os vizinhos retiravam as coisas de suas casas e mandavam sair o gado. Depois da casa de Ivan foi a vez da de Gavrilo se incendiar. Levantou-se um vento que levou o fogo para o outro lado da rua. Metade da aldeia ficou reduzida a cinzas.

Tudo o que se salvou da casa de Ivan foi o velho pai, que fugira para uma parte distante da aldeia. Quando Ivan foi vê-lo, o velho comentou:

― Que te disse eu, Ivan? Quem incendiou a aldeia?

― Foi ele, pai. Apanhei-o. Se ao menos tivesse apanhado o pedaço de palha e o tivesse tirado para fora, nada disto teria acontecido.

― Ivan ― perguntou de novo o pai ― de quem é realmente a culpa?

Ivan fitou-o. Depois, lembrou-se de como tinha magoado Gavrilo em primeiro lugar, e de como não tinha ido fazer as pazes com ele enquanto ainda era tempo.

― A culpa foi minha, pai ― disse. E calou-se.

Em seguida, o velho disse-lhe:

― Ivan.

― Sim, pai.

― O que deves fazer agora?

― Não sei, pai. Como posso continuar? Tudo o que tinha ficou queimado.

― Vais conseguir. Com a ajuda de Deus, vais conseguir. Mas lembra-te, Ivan, não deves dizer a ninguém que foi Gavrilo quem começou o fogo. Se não disseres, Deus perdoar-vos-á a ambos.

Ivan assim fez e ninguém descobriu como o fogo começara.

Depois, Ivan começou a ter pena de Gavrilo. E Gavrilo, por sua vez, ficou surpreendido por Ivan não ter dito nada. A princípio, tinha medo de Ivan, mas depois começou a sentir-se mais à vontade. Os homens deixaram de discutir, e as famílias também. Enquanto reconstruíam as casas, viviam todos juntos, e quando a aldeia foi finalmente reconstruída, Ivan e Gavrilo permaneceram vizinhos. E foram sempre amigos.

Ivan nunca se esqueceu do que o pai lhe dissera sobre apagar um fogo logo que ele começa. Se alguém lhe falava duramente, ele respondia com gentileza. A pessoa ficava envergonhada e não havia discussão. Assim, Ivan foi mais feliz do que nunca, e ninguém na aldeia teve tantos amigos como ele.

L. Tolstoi

Lightning candles in the dark
Philadelphia , FGC, 2001
Tradução e adaptação

O prazer da leitura

Quem ensina a ler, isto é, aquele que lê para que os seus alunos tenham prazer no texto, tem de ser um artista. Só deveria ler aquele que está possuído pelo texto que lê. Por isso eu acho que deveria ser estabelecida nas nossas escolas a prática dos “concertos de leitura”. Se há concertos de música erudita, jazz – por que não concertos de leitura? Ouvindo, os alunos experimentarão o prazer de ler.

E acontecerá com a leitura o mesmo que acontece com a música: depois de termos sido tocados pela sua beleza, é impossível esquecer. A leitura é uma droga perigosa: vicia… Se os jovens não gostam de ler, a culpa não é só deles. Foram forçados a aprender tantas coisas sobre os textos – gramática, usos da partícula “se”, dígrafos, encontros consonantais, análise sintáctica – que não houve tempo para serem iniciados na única coisa que importa: a beleza musical do texto. E a missão do professor?

Acho que as escolas só terão realizado a sua missão se forem capazes de desenvolver nos alunos o prazer da leitura. O prazer da leitura é o pressuposto de tudo o mais. Quem gosta de ler tem nas mãos as chaves do mundo. Mas o que vejo acontecer é o contrário. São raríssimos os casos de amor à leitura desenvolvido nas aulas de estudo formal da língua.

Paul Goodman, controverso pensador norte-americano, diz: Nunca ouvi falar de nenhum método para ensinar literatura (humanities) que não acabasse por matá-la. Parece que a sobrevivência do gosto pela literatura tem dependido de milagres aleatórios que são cada vez menos frequentes. Vendem-se, nas livrarias, livros com resumos das obras literárias que saem nos exames. Quem aprende resumos de obras literárias para passar, aprende mais do que isso: aprende a odiar a literatura.

Sonho com o dia em que as crianças que lêem os meus livrinhos não terão de analisar dígrafos e encontros consonantais e em que o conhecimento das obras literárias não seja objecto de exames: os livros serão lidos pelo simples prazer da leitura.

Rubem Alves
Gaiolas ou Asas
A arte do voo ou a busca da alegria de aprender

Porto, Edições Asa, 2004

(excertos adaptados)

Filhos do coração

Era uma noite como outra qualquer.

A Luena estava sentada no chão a folhear o álbum de família. Os irmãos brincavam na sala com o Rafa e o Manecas, o cão e o gato lá de casa que, sendo os melhores amigos, às vezes pareciam os piores inimigos.

De repente, o silêncio foi interrompido pela curiosidade de uma menina de cinco anos.

— Mãe… como é que eu nasci? Porque é que não há fotografias minhas em bebé aqui no álbum?

A mãe percebeu que aquela, afinal, ia ser uma noite muito especial. Levantou-se do sofá e foi sentar-se ao lado da filha.

— Vou contar-te a história mais bonita do mundo e a mais especial, porque é a tua história. Sabes como nascem os bebés?

— Nascem de repolhos grandes! — exclamou o Manuel.

— Não é nada… chegam no bico das cegonhas! — contrapôs o Jorge.

Maria desatou a rir e avançou com a sabedoria de quem acredita que domina o mundo do alto dos seus dez anos:

— Os bebés nascem das barrigas das mães! O pai põe uma sementinha num ovo que a mãe tem dentro da barriga e, depois, a barriga começa a crescer, a crescer, a crescer e, nove meses depois, nascem os bebés!

— Nem todos — interrompeu a mãe —, alguns filhos nascem nos corações!

Nesse momento até as certezas da Maria, a irmã mais velha, desapareceram.

Curiosos, os irmãos aproximaram-se da mãe, prontos para ouvir esta história que, como todas as histórias importantes, começa com um…

— Era uma vez… — disse o pai da Luena que acabara de entrar na sala.

— …um coração que engravidou de amor — acrescentou a mãe.

— Os corações também engravidam? — interrompeu a Luena curiosa.

— Claro que sim! Esse coração, tal como as barrigas das mães, cresceu tanto, tanto, tanto, que se apaixonou por uma menina cor de canela e de trancinhas no cabelo que escolheu fazer parte desta família — respondeu o pai emocionado.

— Sabes Luena… há várias maneiras de criar uma família, mas o importante é o amor que une as pessoas dessa família, porque as famílias são para sempre — concluiu a mãe.

— Mesmo quando se zangam? — perguntou o Manuel.

— Claro… não vês que, apesar de se zangarem, o Rafa e o Manecas adoram-se e não conseguem viver um sem o outro? — lembrou a mãe.

A Luena ouvia em silêncio com muita atenção mas, quanto mais lhe explicavam, menos conseguia entender. Pegou na mão da mãe, obrigando-a a fixar o olhar no seu, que suplicava por mais esclarecimentos.

— Então como é que eu cheguei ao teu coração grávido, mãe?

— Já vais perceber… mas, o mais importante é que estás cá dentro, no nosso coração, como todos os teus irmãos.

Pelo olhar perdido da Luena, todos conseguiram imaginar a confusão que reinava na sua cabeça. O pai avançou com mais explicações:

— Sabes Luena, existem muitos lugares no mundo onde os pais não têm condições para criar os filhos…

— …e, por isso, têm que deixá-los em instituições como aquela no Gana, em África, onde nós te vimos pela primeira vez — acrescentou a mãe.

— E nesses lugares existem muitos meninos como eu, mamã? — perguntou a Luena.

A resposta chegou pela mão da irmã mais velha, a quem os dez anos davam direito legítimo a uma resposta sempre na ponta da língua:

— Espalhados pelo mundo, existem meninos de todas as raças e cores que precisam de pais, porque os seus pais da barriga não puderam cuidar deles como eles mereciam.

«Raças» era uma palavra difícil para os irmãos mais novos. O Manuel sabia que era preciso perguntar para conseguir aprender e, por isso, não hesitou:

— O que são raças, papá?

— Raças são características diferentes dos meninos que nascem em todas as partes do mundo: em Portugal, no Gana, na China…

À Luena nunca lhe tinha ocorrido perguntar porque é que a sua cor de pele era diferente da dos seus irmãos… afinal somos todos diferentes uns dos outros! Há crianças gordas, magras, altas, baixas, meninos de olhos azuis e outros de olhos castanhos. A cor da sua pele fora sempre aquela, portanto era uma característica sua.

Ela também sabe que o que é realmente importante sente-se com o coração. E o seu coração traquina dizia-lhe que o importante é o amor que une as famílias e o sentimento de segurança que os filhos têm junto dos pais.

— Ao ver-te pela primeira vez, o nosso coração cresceu tanto, tanto, tanto, que se apaixonou e, desde esse momento, a nossa vida deixou de fazer sentido sem ti — revelou a mãe com ternura.

A Luena ficou em silêncio a saborear o olhar apaixonado dos pais e a pensar em todas as crianças que não têm uma família.

Imaginou os meninos que não pertencem a ninguém e que adormecem à noite sem ter os pais ao seu lado para lhes contarem uma história. Imaginou como deve ser difícil não receber um beijo da mãe todas as manhãs. Imaginou como se devem sentir sozinhas as crianças que estão à espera de conhecer os seus pais do coração…

Espontaneamente correu e abraçou os seus pais com toda a força que conseguiu, numa tentativa desesperada de lhes fazer sentir todo o amor que tem por eles.

— Que bom que é ter uma família! — exclamou feliz.

E a sabedoria dos dez anos da Maria traduziu-se numa verdade simples que, no coração, todos sentem como uma certeza:

— Luena… a nossa família não seria a mesma sem ti…

— É verdade Luena, estamos muito felizes por termos uma irmã como tu — acrescentou o Jorge.

— Papá, e o que acontece às outras crianças que ainda não tem uma família? — perguntou o Manuel.

— Estão à espera de encontrar corações apaixonados que engravidem de amor e consigam formar uma família como a nossa — explicou o pai.

— Sabem que às vezes isso acontece muito depressa, mas outras, demora mais tempo. Porém o mais importante é que, no final de tudo, encontrem uma família… e de certeza que isso acaba por suceder! — concluiu a mãe.

A Luena ficou tranquila com as palavras da mãe em relação aos outros meninos que ainda se encontram a viver em instituições. Contudo, uma dúvida insistia em formar a covinha que aparecia na sua bochecha esquerda sempre que algo a preocupava:

— Mamã… mas como é que esses pais que engravidam do coração conseguem escolher uns meninos e deixar lá outros?

— Na verdade, filhota — explicou a mãe orgulhosa da sensibilidade da filha —, esses pais não escolhem os filhos… mesmo que não percebam, eles é que são os escolhidos. Um coração só engravida quando se apaixona, por isso é que pouco importa se os filhos nascem da barriga das mães ou dos seus corações. O amor só pode ser um laço natural… porque ninguém nos pode obrigar a amar!

— Tu, por exemplo, — continuou o pai – escolheste-nos no dia em que te conhecemos e, depois de nos conquistares, deixaste-nos amar-te. As fotografias que te faltam aí no álbum não são importantes, porque a nossa história de amor começou mais tarde, e nem todas as histórias de amor tem de começar numa maternidade.

— Se pensares bem, filhota — acrescentou a mãe —, não há fotografias de todos os momentos felizes que passámos juntos, porque alguns desses momentos guardámo-los cá dentro do coração, que é o melhor álbum da nossa vida!

O Manuel e o Jorge começavam a dar os primeiros sinais de cansaço com um bocejo traiçoeiro. A Maria, a quem a vida naquela noite até tinha conseguido ensinar qualquer coisa nova, foi contagiada e abriu a boca, denunciando a chegada da hora de dormir.

— Meninos, vamos para a cama! Hoje já ouviram uma linda história, que vos deu muito em que pensar! — exclamou o pai divertido.

A mãe levantou-se e distribuiu as crianças pelos quartos, ao ritmo de mimos e beijos de boas-noites. Quando chegou perto da cama da Luena reparou que a covinha da bochecha voltara a ficar visível.

— Mamã… ainda existem muitas famílias à espera de serem escolhidas por essas crianças? — perguntou-lhe a filha.

— Algumas, meu amor… — disse a mãe tentando tranquilizá-la — …mas não te preocupes, porque todas essas crianças vão, de certeza, escolher uma família como a nossa para serem muito felizes.

Aos poucos, a covinha foi desaparecendo. A Luena fechou os olhos, rendendo-se a um sono descansado, e começou a sonhar com um mundo cor-de-rosa, com pinceladas de muitas outras cores alegres e vivas que pintam a realidade de uma menina traquina de cinco anos.

A mãe inclinou-se e beijou o rosto daquela filha especial, que tinha trazido um brilhante arco-íris à sua vida. Depois, afastou-se em silêncio e ficou a pensar que, se todas as famílias soubessem quão maravilhosas e completas se podem tornar as suas vidas quando os seus corações engravidam, de certeza que as instituições do mundo ficariam vazias de crianças e as suas casas cheias de amor.

Alexandra Borges; Luís Figo; Ana Cardoso
Filhos do Coração – A adopção explicada a pais e filhos
Lisboa, Bertrand Editora Lda., 2007

Grampa-Lop

Deep within the forest of dreams lies a gnarled thicket of wood. The branches fold out far above to form a rich green umbrella that protects all the creatures that live here from the crystal spring showers of early April and May. The rains fall for an hour, maybe two, and then the sun, with rays like golden ribbons at a county fair, streams through the leaves to the ground below.

It was in this thicket that the rabbits of the forest lived and played all their lives. There were rabbits with big fluffy tails and rabbits with barely any tails at all — short ones, fat ones, skinny ones, fluffy ones, and one very old rabbit called Grampa-Lop.

Grampa-Lop was so old that his fur had long since turned to grey. He wore a tattered scad-wrapped around his neck, and always carried a twisted stick that he used for a cane.

Every afternoon at about two or three, Grampa-Lop would sit on his favorite stump and enjoy the warmth of the sun. He would sit quietly until — without his noticing — all the young rabbits would gather around his feet. They would try to be quiet, but it was so hard that a couple of them had to stuff their ears in their mouth to keep from laughing.

Grampa-Lop would lean back on the stump, look around, and begin in a very soft, low voice: “Once upon a time, in the land of mist and magical things, there was an enchanted forest…”

As he would slowly tell the tale, a very strange and wondrous thing would happen. Grampa-Lop would begin to stand straighter and straighter. The sunlight would flash from his brown eyes and sparkle throughout the forest. And his fur would glow.

The little rabbits would be totally enchanted as he recounted his tale, because suddenly the very old Grampa-Lop would become the Wizard of the Wood. Most of the rabbits would get so caught up in the story itself that they wouldn’t even know that he had finished. He would have to say, “Now, little bunnies, it’s time you were on your way.” And with that they would scamper back to the thicket in the wood.

Now, the older rabbits were becoming more and more concerned about the little ones. One day, after the little bunnies had disappeared as usual, the older rabbits all gathered together at the thicket.

“I wonder where they go?” they asked themselves. “Every day they disappear at the same time.”

“I bet they go off and see that old, useless rabbit, Grampa-Lop,”’ said one. “I just know they’re up to no good!”

They chittered and chattered for a while and then decided that when the little rabbits returned that afternoon they would find out exactly what was going on.

Sure enough, right on schedule, the little rabbits returned and, as agreed, the older rabbits asked where they
had been.

“Well,” one said, “we went into the forest to see Grampa-Lop and he told us a wondrous story of the woods. When he told us the story, the most wonderful, magical thing happened. Grampa-Lop became the Wizard of the Wood!”

“I knew it!” fumed one of the older rabbits. “That old rabbit is teaching these kids nothing but a pack of lies.”

“But it’s true!” chorused the little rabbits. “When he tells us stories, stars and sparks appear. It’s magic.”

The older rabbits hopped off to one side and muttered to each other, occasionally looking over their shoulders. Finally, they stormed back to the children.

“We’ve decided that you are lying because there is no such thing as magic. For that you are to go to bed right this instant, with no supper, and from now on you are forbidden to see this Grampa-Lop ever again!”
With tears streaming from their eyes, the bunnies all shuffled off to their beds. They had heavy hearts and very empty stomachs.

The next day, as usual, Grampa-Lop sat on his favorite stump, soaking up the warm sunshine and waiting for the little rabbits to appear. He sat, and he sat, and he must have dozed off, for he woke with a start as the sun was just about to set. Much to his amazement, there were no baby bunnies, none whatsoever.

“Maybe they forgot,” he thought, “but surely they’ll remember tomorrow.” With that, he hobbled off to his burrow in the wood.

The next day and the next, a saddened Grampa-Lop waited and waited for the children who never came. Finally, in desperation, he began hopping towards the thicket in the wood, searching for some sign of the bunnies.

As he hobbled down the twisted path, leaning heavily on his cane, he came upon one of the older rabbits.
“Good day to you,” he said as he bowed stiffly. “I’m looking for all the little rabbits of the wood. You see, I used to tell them stories but they’ve stopped coming to see me.”

“A good thing, too!” snorted the older rabbit. “All those bunnies ever learned from you was to lie and tell their own stories.”

Grampa-Lop was shocked. “But I never taught them to lie,” he said. “I only told them the wondrous and magical tales of the forest.”

“You won’t anymore,” huffed the rabbit as he hopped quickly back to the thicket.
With a tear trickling down his cheeks, a much older and sadder Grampa-Lop went back to his burrow in the wood.

With nothing to occupy his days now, Grampa-Lop wandered aimlessly about the forest. Once or twice he even went to the thicket in the wood, but as soon as he appeared, the older rabbits would herd the little bunnies to the opposite side.

“Go away!” they shouted. “Old, old rabbits aren’t wanted in our thicket.” With that, all the rabbits scurried to their burrows.

All alone, Grampa-Lop would hop away from the thicket and return to his part of the woods.

The baby bunnies did as they were told, but they could never forget the magic of the Wizard of the Wood. Sometimes, when they were all alone, they would whisper about how much fun it had been, but most of the time they would just shuffle about the thicket, making dust and feeling very sad.

The older rabbits tried to cheer them up, and sometimes they would even tell a story; but it just wasn’t the same.

It got so bad that the little bunnies began to bicker among themselves. It would start innocently with one bunny bumping another bunny, but it always ended in a tangle of arms, legs, and ears as they wrestled on the ground.

Finally, some of the older rabbits couldn’t stand it any more and called all the rabbits together.

“This has got to stop,” they said. “With all this moping and bickering, nothing is getting done. Food isn’t being collected, new burrows aren’t being built, and winter’s coming.”

“If we could just hear the magical stories of Grampa-Lop,” said one of the bunnies, “we wouldn’t get into so much trouble.”

“But there is no such thing as magic!” fumed the older rabbits. “You lied about that before.”

“We didn’t lie. We told you the truth, and if you’d go with us we’d show you that there really is magic.”
The older rabbits thought for a moment and then decided. “We will indeed go with you to your Wizard of the Wood, if only to prove that there is no such thing as magic.”

They all hopped into the forest and down the long, twisty trail to the stump where Grampa-Lop sat waiting.

He sat as he had always sat, sunning himself and gazing softly into the sky. The little bunnies quickly sat at his feet, while the older rabbits sat disbelievingly on an old, rotting log.

Grampa-Lop leaned back and, with a gleam in his eye, began in a very soft, low voice: “Once upon a time in a land of mist and magical things there was an enchanted forest…”

The older rabbits looked on in wonder as Grampa-Lop began to stand straighter and straighter. The sunlight began to flash from his bright brown eyes as he told the tale, and sparkles of magic began to twinkle in the forest around them. As the story wore on, his fur turned from grey to silver, and he truly became the Wizard of the Wood.

All the rabbits, young and old, were totally enchanted as the story came to a beautiful ending. The moment was so beautiful, some of the older rabbits even had tears in their eyes.

No one said a word, so afraid were they to break this magical spell; but one by one they rushed to Grampa-Lop and hugged him with all the love in their hearts.

The older rabbits never apologized for the wrong they had done the bunnies and Grampa-Lop, for everyone knew that sometimes even older rabbits make mistakes, too. But every day now, at exactly the same time, all the rabbits hop from the thicket and rush to listen to Grampa-Lop become the Wizard of the Wood.

LISTEN TO THE OLDER ONES,
THEIR GOLDEN STORIES TRUE;
THEN REMEMBER GRAMPA-LOP
AND THE MAGIC HE SHOWED YOU.

Stephen Cosgrove
Grampa-Lop
Los Angeles, Sloan Publishers, Inc., 1981