As irmãs têm de se ajudar


— Eva!

Paulina chama com delicadeza a irmã pequenina. Mas Eva não responde. Está furiosa e segue em direção ao jardim, a bater furiosamente com os pés. Paulina corre atrás dela.

— Espera. Vamos fazer as pazes?

— Só quando me deres o carrinho novo de bebé — diz Eva.

— Estás maluca! — exclama Paulina irritada. — Ainda és muito pequena!

— Tu és tão má! — grita Eva. — Queria tanto não ter irmã nenhuma!

— E eu gostava de te dar a alguém, mas tenho a certeza de que ninguém te quer!

Entretanto chegam ao jardim e vão brincar para o parque. Eva senta-se no balancé grande e faz de conta que Paulina não existe. Chega Carolina, uma colega da turma de Paulina.

— Vamos andar as duas no balancé?

— Com certeza! — responde Paulina.

Mas isso não a diverte tanto assim. Está sempre a olhar para Eva. É então que aparecem três rapazes no parque infantil. Falam alto, fazem imenso barulho. Estão sempre aos risinhos e a olhar na direcção das meninas.

— Não são os da nossa escola? — pergunta Paulina.

Carolina diz que sim com a cabeça.

— Vamos mas é embora — diz. — Eles só arranjam sarilhos.

Mas os rapazes já estão à beira de Eva e não a deixam descer do escorregão.

— Deixem-me em paz! — grita Eva para os rapazes, mas eles fazem de conta que não ouvem.

Rapidamente, Paulina vai em socorro da irmã:

— Vão-se embora!

Os rapazes olham para Paulina.

— Deixem a Eva em paz! — grita ela.

Os três segredam qualquer coisa entre si e Emílio, o maior dos rapazes, diz em voz alta:

— Eu queria tanto de andar de balancé, vocês não?

Devagar, dirigem-se para obalancé de Paulina e deixam Eva.

— Anda, vamos embora — diz Carolina.

— Eu não posso deixar a Eva sozinha — diz Paulina.

Carolina foge.

— Óptimo! Acabou de ficar um lugar livre — diz Emílio, sentando-se na outra ponta da tábua de madeira.

O coração de Paulina bate a toda a velocidade e com o medo nem consegue falar. Os rapazes não deixam o balancé baixar e Paulina fica no ar.

— Então, como é estar aí em cima? — dizem os três a rir. — Pena que não consigas descer daí sozinha!

Emílio ri-se.

— Queres ajuda? — e começam a abanar e a sacudir o balancé até Paulina cair ao chão. O carrinho de bebé também lhe cai do bolso.

— Oh, que lindo! — diz Emílio a troçar, e apanha o carrinho de bebé. — Tu brincas com carrinhos de bebé! E onde tens a bonequinha?

Os rapazes riem maldosamente. Eva salta do escorregão e planta-se em frente de Emílio a gritar:

— Agora chega! — Eva tenta fazer um olhar como o da mãe quando está furiosa. — Já é demais!

— Bebés como tu não têm nada a fazer aqui — disse Emílio.

Eva zanga-se a sério.

— Devolve imediatamente o carrinho à minha irmã! — brada ela.

— Ora ouçam só este anãozinho! — riu-se Emílio.

— Então o que é que eu sou? Bebé ou anão? Podes fazer o favor de te decidir? Não pareces lá muito esperto — Eva não tinha papas na língua.

Os dois rapazes esboçaram um sorriso de troça mas Emílio fica tão embaraçado que não consegue dizer mais nada. Os dois rapazes deram meia-volta.

— Anda, Paulina, vamos embora — disse Eva satisfeita.

— E com o nosso carrinho.

E, muito simplesmente, tira o brinquedo das mãos de Emílio.

— Se estás aborrecido por não teres nada que fazer, podes ficar a brincar ali na caixinha de areia.

As duas irmãs seguem até à esquina e Paulina diz-lhe:

— Obrigada, Eva, foste formidável! Tu tens coragem!

Eva responde, sorrindo ironicamente:

— As irmãs têm de se ajudar!

E estende o carrinho a Paulina.

Elisabeth Zöller; Brigitte Kolloch
Ich will mutig sein!
Hamburg, Verlag Heinrich Ellermann, 2005
(Tradução e adaptação)

O Dia-da-Presença

Jorge acabou os trabalhos de casa e preparou a mochila para o dia seguinte. Tinha agora tempo para brincar. Gostava de brincar aos astronautas mas, sozinho, não tem graça nenhuma.

Vai ver então o que a irmã está a fazer: sentada no tapete, ela tenta enfiar numa linha anéis de plástico às cores. É quatro anos mais nova e não percebe nada daquele jogo. Nem consegue somar um mais um…

“Que irmã tão palerma”, pensa Jorge. “Porque é que a minha irmã não podia ser antes um irmão mais velho? Ao menos agora tinha um co-piloto.”

Furioso, Jorge bate com o pé no chão.

— Vês? Deixei cair os anéis todos por tua causa! — grita a irmã que começa a chorar.

— Bem podes pendurar o teu colar nas orelhas! — grita Jorge ao sair do quarto.

— Mãe — pergunta Jorge na cozinha — queres ser o meu co-piloto? Vou voar agora para Júpiter.

— Para que é que tens a tua irmã?

Isto também Jorge se pergunta às vezes… Será que o pai tem tempo? Está sentado na sala a arrumar os jornais.

— Pai! — chama Jorge. — Vens voar comigo para Júpiter com a minha nave espacial “Estrela Branca”? Preciso urgentemente de um co-piloto.

— Agora não, Jorge. Bem vês que estou a arrumar os meus jornais.

Jorge fica a pensar no que pode fazer. Ir a casa do seu amigo António, ao lado? Às vezes brinca com ele. Mas brincar com os pais é sempre melhor. É quase como fazer anos.

Amuado, Jorge volta para o quarto dos brinquedos. Senta-se no tapete ao lado da irmã para ter alguém que o escute.

— Sabes o que é que eu gostava de ter? Mais um dia na semana — diz ele. — Um dia da semana em que os pais fossem só para nós. Um oitavo dia na semana. E sabes como se chamaria? Hum… deixa cá ver…

Jorge pensa. Diz o nome dos dias da semana em voz alta. Começa na terça-feira porque hoje é terça:

— Terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado, domingo… já sei! — exclama. Vai chamar-se presença. E vem logo a seguir ao domingo. Basta meter o dia-da-‑presença no meio dos outros dias.

Jorge põe-se em sentido em frente da irmã e diz em tom cerimonioso:

— Eu, piloto da nave espacial “Estrela Branca”, decreto que haverá o Dia-da-Presença, o dia da semana em que todos os pais brincarão com os filhos àquilo que os filhos quiserem. A partir de hoje, a semana passa então a ser: domingo, dia-da-presença, segunda-feira! E depois continua como normalmente.

A irmã ri-se.

Jorge escreve este desejo para o Natal. E escreve também porque é que quer o dia-da-‑presença: nesse dia, os pais hão de brincar com ele. O dia inteiro!

Mas os pais riem e dizem:

— Só tu! És um sonhador! — O pai faz-lhe uma festa nos cabelos. Depois agarra-o ternamente e abana-o, como se pudesse sacudir-lhe os sonhos da cabeça.

Pelo Natal, Jorge recebeu um gravador. Não um dia-da-presença. O que o gravador tem de bom é que a irmã não tem autorização para mexer nele…

Evelyne Stein-Fischer

Jutta Modler (org.)

Frieden fängt zu Hause an

Munique, DTV, 1989
(Tradução e adaptação)

Mãos de Mãe

Noite após noite, a minha mãe vinha aconchegar-me, mesmo quando eu já deixara há muito de ser criança. Tal como outrora, inclinava-se sobre mim, afastava o meu cabelo comprido e beijava-me a testa.

Não me lembro de quando o gesto das suas mãos a afastar o meu cabelo começou a irritar-me. Mas aborrecia-me deveras que ela passasse as mãos ásperas e gastas pelo trabalho sobre a minha pele macia. Uma noite gritei, zangada:

—Não faças mais isso! As tuas mãos são muito ásperas!

A minha mãe não disse nada, mas nunca mais aquele gesto de amor rematou os meus dias. Continuei acordada muito tempo depois de ter proferido aquelas palavras, que agora me perseguiam. Contudo, o orgulho abafou a consciência e não consegui dizer-lhe o quanto lamentava tê-las proferido.

Os anos foram passando, sem que a memória daquela noite se apagasse. O incidente, que ora parecia recente ora se afigurava longínquo, nunca me saiu da mente e eu comecei a ter saudades daquele gesto que reprimira.

Hoje a minha mãe já ultrapassou os setenta anos e as mãos que outrora achei tão ásperas ainda trabalham para mim e para os meus. É ela que tem sido a nossa médica, ao procurar no armário o remédio para aliviar uma dor de estômago ou de um joelho ferido dos mais novos. É ela que faz o melhor frango frito do mundo, que tira as nódoas das calças de ganga como eu nunca consegui, que ainda insiste em servir gelado a qualquer hora do dia ou da noite. Ao longo dos anos, as mãos da minha mãe trabalharam durante horas incontáveis, muito antes de haver máquinas de lavar e tecidos resistentes que não engelham.

Agora, os meus filhos já são crescidos e independentes e o meu pai já faleceu. Em ocasiões especiais, vou passar a noite com ela.

E foi assim que, numa véspera do Dia de Ação de Graças, quando eu começava a adormecer no quarto da minha infância, senti uma mão conhecida, que passava, hesitante, pelo meu rosto, para afastar o cabelo da minha testa. Quando um beijo, sempre igualmente gentil, pousou no meu sobrolho, recordei, pela milésima vez, a noite em que a minha voz jovem e ríspida soara indignada:

—Não faças mais isso. As tuas mãos são muito ásperas!

Então, segurando a mão da minha mãe, disse-lhe o quanto lamentava aquela noite. Pensei que, como eu, ela se lembrasse… Mas a minha mãe não sabia do que eu estava a falar, pois há muito que tinha esquecido e perdoado.

Naquela noite, adormeci profundamente grata pela presença da minha mãe e pelo carinho das suas mãos.

E a culpa que eu tinha carregado durante tantos anos desvaneceu-se.

Louisa Godissart McQuillen
Jack Canfield, Mark Victor Hansen
A Second Chicken Soup for the Woman’s Soul
HCIbooks, Deerfield Beach, 1998
(Tradução e adaptação)