Avozinha Gangster

Na Biblioteca do Agrupamento de Escolas de Abação, inaugurámos uma nova rubrica: a Publicidade à Leitura.

Todas as semanas, no blog da biblioteca, be.agrupamentoabacao.pt podem encontrar uma sugestão para pequenos, médios e grandes. Fiquem com o primeiro vídeo, em que vos sugiro a leitura do mais-que -favorito Avozinha Gangster, de David Walliams. https://youtu.be/lh3IMlrkY00

Então e o que quer dizer?

Tenho um aluno que não sabe o que significa a palavra perra.

Não sabia. Perguntou-me, expliquei-lhe e agora já sabe. Até aqui, nada fora do normal Um aluno desconhecer o significado de uma palavra e o professor explicar-lhe é algo que acontece todos os dias nas aulas de Português. E não só, imagino.

O problema não é este. O problema é que a palavra surgiu numa frase – e ele achou que a frase estava errada. Seria muito grave, é verdade, mas poderia ter acontecido. A frase aludia a “dobradiças perras” e ele disse-me: “Aqui devia dizer pêras.” Expliquei-lhe o sentido da frase e ele ficou a perceber, mas esta situação, em muito semelhante a muitas outras que vivo todos os dias, permanece no meu espírito e faz-me pensar muito.

Não conhecer o significado de uma palavra é a coisa mais normal do mundo, sobretudo tratando-se de um aluno de quinto ano. É certo que eu acharia que a palavra “perra”, por ser muito utilizada, seria conhecida dos alunos. Mas o que, na minha opinião é preocupante é o facto de o aluno achar que, naquela frase, poderia surgir o nome do fruto, pêra. Uma dobradiça pêra? Isto é que é dramático nesta história. Uma criança de dez anos que não consegue antecipar que aquela palavra de todos os dias não cabe naquela frase e que prefere achar que o texto, publicado num manual escolar, contém um erro.

Este é (mais) um exemplo de como a incapacidade de utilizar o contexto para antecipar as palavras que vão surgir no texto compromete a leitura.

O elefante acorrentado

Contos para Crescer

— Não consigo — disse-lhe. — Não consigo!
— Tens a certeza? — perguntou-me ele.
— Tenho! O que eu mais gostava era de conseguir sentar-me à frente dela e dizer-lhe o que sinto… Mas sei que não sou capaz.
O gordo sentou-se de pernas cruzadas à Buda, naqueles horríveis cadeirões azuis do seu consultório. Sorriu, fitou-me olhos nos olhos e, baixando a voz como fazia sempre que queria que o escutassem com atenção, disse-me:
— Deixa-me que te conte…
E sem esperar pela minha aprovação, o Jorge começou a contar.
Quando eu era pequeno, adorava o circo e aquilo de que mais gostava eram os animais. Cativava-me especialmente o elefante que, como vim a saber mais tarde, era também o animal preferido dos outros miúdos. Durante o espectáculo, a enorme criatura dava mostras de ter um peso, tamanho e força descomunais… Mas, depois da sua actuação e pouco antes…

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Inquérito sobre hábitos de leitura

Elaborei este inquérito, que se destina a recolher informações sobre os hábitos de leitura dos adolescentes e jovens portugueses, entre os 10 e os 18 anos.

Solicito a todas as pessoas cuja idade se encontre dentro do intervalo referido que respondam. E peço a todas as outras que o divulguem – junto dos seus filhos, amigos, familiares, conhecidos, alunos…

A ideia é chegar ao maior número de pessoas possível.

As respostas são anónimas, pelo que todos devem sentir-se à vontade, no sentido de darem respostas o mais honestas possível. Ninguém vai ser avaliado!

O inquérito está aqui.

Gabriel García Márquez (1927-2014)

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Este é um dia triste para mim. Para todos os amantes da literatura. Da Literatura, assim, com letra grande. Já se sabia, esta era uma morte anunciada, mas é triste saber que partiu o maior contador de histórias de todos os tempos. Gabriel García Márquez morreu e este é um dia triste por isso. É o meu escritor favorito – e não digo isto hoje, por ter morrido. Digo-o desde que o descobri, aos dezasseis ou dezassete anos. Hoje o mundo ficou mais pobre.

O jornal El Espectador tem um extenso dossier sobre García Márquez, que foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1982.

Em reacção à sua morte, disse hoje o presidente da Colombia: “Mil anos de solidão e tristeza pela morte do maior colombiano de todos os tempos!”

Escreveu romances, novelas, crónicas, contos, e a autobiografia mais deliciosa que jamais li: “Viver para Contá-la”. Estão lá todos os seus livros.

Permitam-me apenas alguns títulos, os primeiros que me vêm à memória e que migrarão ainda hoje para a minha mesinha de cabeceira, para reler:

O Amor nos Tempos de Cólera

Cem Anos de Solidão

Doze Contos Peregrinos

Do Amor e Outros Demónios

Memória das Minhas Putas Tristes

A Incrível e Triste História da Cândida Eréndira e da sua Avó Desalmada

Os Funerais da Mamã Grande

Olhos de Cão Azul

Crónica de uma Morte Anunciada

A Revoada

A Hora Má

O General no seu Labirinto

Ninguém Escreve ao Coronel

O Outono do Patriarca

Notícia de um Sequestro

Relato de um Náufrago

 

São apenas alguns. Faltam aqui tantos.

Conversando sobre a leitura

05-04-14

A convite da Avicella, estive ontem na Casa das Colectividades, em Vizela, a conversar sobre a leitura com os Rotary Kids.

A minha intervenção estava incluída numa série de actividades, todas elas muito interessantes, no âmbito de um “Festival de Contos”.

Agradeço mais esta oportunuidade que me concederam de divulgar um bocadinho daquilo que penso sobre a leitura, que é tão importante.

Contar uma história? ou… Ler um livro?

São coisas diferentes.

Um contador de histórias – um bom contador de histórias – conta com a voz, com o olhar, com os gestos, com o corpo todo. Ele prende a atenção do leitor não apenas com a história em si, mas com toda a representação que faz à volta da história. O mesmo efeito pode ser difícil de conseguir ao ler um livro, sobretudo para um leitor pouco experiente, ou com um texto que não se conheça bem.

Visto que somos apenas comuns mortais sem conhecimento das técnicas especiais em que os contadores de histórias profissionais são exímios, ler uma história pode apresentar vantagens.

O facto de nos cingirmos ao texto que temos à nossa frente impede-nos de trocar algumas palavras que, citando de memória, tenderíamos a trocar por outras. Essas outras que escolheríamos, embora mantendo o sentido do texto, perderiam em riqueza vocabular.

A propósito, recordo-me sempre de quando lia Boa Noite, Ursinho! à minha filha mais velha. Na última história do livro, o Rato do Campo “toca tuba a noite toda”, impedindo os restantes animais do bosque de dormir. A situação leva-os ao desespero e então procuram o Castor, que promete ajudá-los a resolver o problema. Para tal, constrói uma harpa, cujo som é bem mais suave do que o de uma tuba e, quando lha oferecem, o Rato do Campo, maravilhado, exclama qualquer coisa agradável “colocando logo a sua tuba de lado”. Ora, estava eu, pela enésima vez, a ler esta história, já mais do que decorada, à media luz, visto que queria que ela dormise, quando me aconteceu o imperdoável: em vez de colocando, “li” “pondo logo a sua tuba de lado”. E diz-me a pequena, que na altura não tinha mais de dois anos: “Não é pondo, mamã, é colocando.”

Ora pois claro. Não é pondo. É colocando. (O pai ou a mãe que nunca tenha ouvido uma frase destas ponha o braço no ar!)

Há dois aspectos muito importantes nesta chamada de atenção que ela me fez. O primeiro é muito fácil de detectar: eu troquei uma palavra e ela, que sabia a história de cor, não perdoou e corrigiu-me. Mas o mais importante é analisar qual foi a palavra que eu troquei e qual utilizei em seu lugar.

Pôrcolocar são sinónimos – pelo menos no contexto em que eu os troquei. No entanto, a palavra colocar é mais difícil do que a palavra pôr. Ao fazer esta troca, eu reduzi o grau de dificuldade do texto – e não esqueçamos que é muito provável que isto me aconteça várias vezes ao longo da história, o que terá um efeito muito mau. E tem um efeito perverso pelo seguinte motivo: um dos principais benefícios de ler histórias às crianças é o que esta actividade implica em termos de alargamento vocabular. Se vamos substituir as palavras difíceis por palavras que utilizamos no dia-a-dia, estaremos a anular esta grande vantagem que a leitura diária pode representar.

Por mim, prefiro ler. Pelo que já disse acima, mas também porque, quando lhes leio à noite, muitas vezes já estou tão cansada que não consigo articular uma frase que tenha jeito – quanto mais uma história inteira. Mas há outro motivo ainda, mais importante. Mesmo que eu tivesse o jeito de um contador de histórias, eu preferiria ler. Porque é diferente. Desde logo, é mais calmo – e como a maior parte da leitura que faço com as minhas filhas é à hora de deitar, não me convém nada excitá-las com um espectáculo cheio de movimento e, quem sabe, gritos ou vozes alteradas. É mais calmo e essa é parte da mensagem importante que eu quero transmitir: a leitura pode ser um oásis de paz no meio da lufa-lufa do dia-a-dia. A leitura é algo que se faz melhor sozinho, no sossego de um cantinho favorito, é confortável, é bom. O que eu faço com as minhas filhas é apenas um papel de intermediário entre elas e uma história que de momento está fora do seu alcance – porque ainda não sabem ler, ou porque tem uma linguagem que, embora já compreendam, ainda lhes é difícil ler, porque estão muito cansadas. Serei este intermediário durante o tempo que for preciso até que se tornem leitoras autónomas – o que provavelmente significa muitos anos ainda, atendendo à idade delas.

Eu quero que elas percebam que a leitura é uma maneira de estarem sozinhas, quero que saibam que a leitura é algo que podem fazer em todos os momentos, sozinhas, sem precisarem de nada – apenas de um livro e alguma luz, que nem sequer precisa de ser muita. Um contador de histórias não é isto. Um contador de histórias é um espectáculo. Ouvir um contador de histórias é giríssimo, é como ir ao teatro ou ao cinema. Não é algo que esteja ao nosso alcance a toda a hora, não é algo que apeteça a toda a hora.

Eu prefiro ler.