Contar uma história? ou… Ler um livro?

São coisas diferentes.

Um contador de histórias – um bom contador de histórias – conta com a voz, com o olhar, com os gestos, com o corpo todo. Ele prende a atenção do leitor não apenas com a história em si, mas com toda a representação que faz à volta da história. O mesmo efeito pode ser difícil de conseguir ao ler um livro, sobretudo para um leitor pouco experiente, ou com um texto que não se conheça bem.

Visto que somos apenas comuns mortais sem conhecimento das técnicas especiais em que os contadores de histórias profissionais são exímios, ler uma história pode apresentar vantagens.

O facto de nos cingirmos ao texto que temos à nossa frente impede-nos de trocar algumas palavras que, citando de memória, tenderíamos a trocar por outras. Essas outras que escolheríamos, embora mantendo o sentido do texto, perderiam em riqueza vocabular.

A propósito, recordo-me sempre de quando lia Boa Noite, Ursinho! à minha filha mais velha. Na última história do livro, o Rato do Campo “toca tuba a noite toda”, impedindo os restantes animais do bosque de dormir. A situação leva-os ao desespero e então procuram o Castor, que promete ajudá-los a resolver o problema. Para tal, constrói uma harpa, cujo som é bem mais suave do que o de uma tuba e, quando lha oferecem, o Rato do Campo, maravilhado, exclama qualquer coisa agradável “colocando logo a sua tuba de lado”. Ora, estava eu, pela enésima vez, a ler esta história, já mais do que decorada, à media luz, visto que queria que ela dormise, quando me aconteceu o imperdoável: em vez de colocando, “li” “pondo logo a sua tuba de lado”. E diz-me a pequena, que na altura não tinha mais de dois anos: “Não é pondo, mamã, é colocando.”

Ora pois claro. Não é pondo. É colocando. (O pai ou a mãe que nunca tenha ouvido uma frase destas ponha o braço no ar!)

Há dois aspectos muito importantes nesta chamada de atenção que ela me fez. O primeiro é muito fácil de detectar: eu troquei uma palavra e ela, que sabia a história de cor, não perdoou e corrigiu-me. Mas o mais importante é analisar qual foi a palavra que eu troquei e qual utilizei em seu lugar.

Pôrcolocar são sinónimos – pelo menos no contexto em que eu os troquei. No entanto, a palavra colocar é mais difícil do que a palavra pôr. Ao fazer esta troca, eu reduzi o grau de dificuldade do texto – e não esqueçamos que é muito provável que isto me aconteça várias vezes ao longo da história, o que terá um efeito muito mau. E tem um efeito perverso pelo seguinte motivo: um dos principais benefícios de ler histórias às crianças é o que esta actividade implica em termos de alargamento vocabular. Se vamos substituir as palavras difíceis por palavras que utilizamos no dia-a-dia, estaremos a anular esta grande vantagem que a leitura diária pode representar.

Por mim, prefiro ler. Pelo que já disse acima, mas também porque, quando lhes leio à noite, muitas vezes já estou tão cansada que não consigo articular uma frase que tenha jeito – quanto mais uma história inteira. Mas há outro motivo ainda, mais importante. Mesmo que eu tivesse o jeito de um contador de histórias, eu preferiria ler. Porque é diferente. Desde logo, é mais calmo – e como a maior parte da leitura que faço com as minhas filhas é à hora de deitar, não me convém nada excitá-las com um espectáculo cheio de movimento e, quem sabe, gritos ou vozes alteradas. É mais calmo e essa é parte da mensagem importante que eu quero transmitir: a leitura pode ser um oásis de paz no meio da lufa-lufa do dia-a-dia. A leitura é algo que se faz melhor sozinho, no sossego de um cantinho favorito, é confortável, é bom. O que eu faço com as minhas filhas é apenas um papel de intermediário entre elas e uma história que de momento está fora do seu alcance – porque ainda não sabem ler, ou porque tem uma linguagem que, embora já compreendam, ainda lhes é difícil ler, porque estão muito cansadas. Serei este intermediário durante o tempo que for preciso até que se tornem leitoras autónomas – o que provavelmente significa muitos anos ainda, atendendo à idade delas.

Eu quero que elas percebam que a leitura é uma maneira de estarem sozinhas, quero que saibam que a leitura é algo que podem fazer em todos os momentos, sozinhas, sem precisarem de nada – apenas de um livro e alguma luz, que nem sequer precisa de ser muita. Um contador de histórias não é isto. Um contador de histórias é um espectáculo. Ouvir um contador de histórias é giríssimo, é como ir ao teatro ou ao cinema. Não é algo que esteja ao nosso alcance a toda a hora, não é algo que apeteça a toda a hora.

Eu prefiro ler.

Ler ao deitar

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Este foi um fim de semana particularmente agitado par as pequenas cá de casa. Quatro festas de aniversário é dose, sobretudo para a mãe que tem de comprar as prendas.

Para não variar, ofereceram livros, o que nos levou ao Continente, passe a publicidade, na sexta-feira ao fim da tarde, depois do Inglês. Demorámos algum tempo a escolher: dois livros da Poppy para as grandes que faziam oito anos, um da Poppy para a que fazia cinco, um do Vítor para o que fazia cinco. Do Vítor não, achou a pequena, que já deve estar cansada de oferecer sempre o mesmo, qual menir do Obélix, e preferiu desta vez um livro do Feiticeiro Horácio.

Isto demorou o seu tempo, como é bom de imaginar, e deu nas vistas de uma senhora (talvez avó ou tia-avó) que escolhia algo para oferecer a um rapaz prestes a fazer cinco anos. Aproximou-se de mim pedindo opinião sobre um daqueles albuns cheios de desenhos em que a criança tem de unir os pontos para completar a imagem. Disse-lhe que sim, que era giro, a capa informava que se dirigia à idade pretendida, mas não resisti. Eu nunca resisto. E perguntei se não preferia um daqueles livros que eu própria estava a escolher, mostrando-lhe que o preço era idêntico. “Mas ele faz cinco aos, acho que ainda não sabe ler.” Concordei e expliquei “Lê-lhe a mãe!” Que não, que não tem tempo, tem outra mais pequena, não tem tempo para isso. (Também eu tenho outra mais pequena e isso nunca foi desculpa para não ler às duas, a cada qual o seu…)

Passei o fim de semana a pensar nisto. É tão triste saber que há crianças cujos pais não se dão ao trabalho de lhes ler todos os dias, todas as noites antes de dormir. “Não se dão ao trabalho” é talvez muito forte, mas eu acho que é verdade. Nós fazemos, ou não, o tempo para as coisas que queremos mesmo fazer. Só na SIC, só depois do Jornal da Noite, passam três novelas. Três novelas, cerca de uma hora cada uma. E há quem tenha tempo, já para não dizer paciência, para as ver a todas. E há quem mande “recomeçar”, nos sistemas de televisão por cabo sofisticados que mais ou menos todos temos em casa hoje em dia. Os nossos filhos não são um canal de televisão por cabo fornecido por um operador sofisticado que permite recomeçar se não tivermos assistido ao programa desde o início. O tempo que temos para estar com eles é agora e é fugidio. Ou o aproveitamos ou já passou. E, no fim de contas, o que é mais importante: os nossos filhos ou seja o que for que escolhemos em vez de estarmos com eles? E não estou a falar apenas de programas de televisão, mas também de roupa para passar a ferro, de serão com os amigos no café da rua. Tanto pode ser dito deste hábito tão tipcamente português de passar o serão no café…

Sim, eu sei que a maior parte das pessoas não sabe que isto da leitura é tão importante. (E tão bom…) Tanto quanto posso, faço chegar a mensagem a toda a gente: pais conhecidos, os pais dos meus alunos, os pais dos alunos da escola da minha filha. Há dias, reuni com o pai de um aluno de quinto ano com sérias dificuldads de aprendizagem. E mandei-o ler ao filho. Disse-lhe que desligasse o telemóvel, ou que o deixasse na cozinha, que vestisse o pijama e se metesse na cama com o filho e que lhe lesse um livro. Sugeri um Geronimo Stilton e informei que poderia ser requisitado na biblioteca da escola. Eu não conhecia aquele senhor de parte nenhuma. Trabalha numa fábrica de pneus. O seu rosto não traiu qualquer emoção enquanto conversávamos, pelo que eu não sabia que tipo de sentimento as minhas palavras estavam a provocar. Até que, antes de sair, me perguntou:

A senhora já não vai ter aula com ele hoje?

Sim, vou estar com ele já de seguida.

Então diga-lhe que leve esse livro hoje para casa, sim?

Fiquei feliz, como podem imaginar. Isto foi na segunda-feira. Na terça-feira não fui à escola, mas passei o dia a pensar naqueles dois. Na quarta, não sei qual de nós dois estva mais ansioso: eu por saber ou o rapaz por me contar. Vinha feliz, com um sorriso rasgado e disse-me que tinha gostado muito. E o teu pai? Ele também gostou!

Já o disse, repito: escreve-se tanto sobre o bem que isto faz aos filhos. Mas isto de ler com eles, à noite, na cama, faz tão bem aos pais…

Na primeira pessoa 2

Neste pequeno segmento, podemos testemunhar a reacção dos pais. Como esta actividade, tão simples, foi acolhida em casa.

Apenas uma nota para informar que estes segmentos foram “cortados” por mim. Por isso não estão lá muito bem… As minhas desculpas.

A primeira ida à biblioteca

Eis o resultado da nossa expedição à Biblioteca Municipal Raul Brandão:

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Aceitam-se apostas: quem escolheu o quê?

Pois… não dá muito que pensar…

Que fascínio! Tantos livros! E um desabafo que me encheu de baba: Aqui há mais livros do que em casa… É que é mesmo a primeira vez que lhes acontece entrar num sítio onde há mais livros do que cá em casa.

Numa nota mais prática: a peqena trouxe livros que a fascinaram e que, sobretudo no caso do Homem-aranha, já não deve ser possível encontrar na livraria.

A grande trouxe um das Tea Sisters que procurava há muito, mas que ninguém tinha para emprestare custa à volta de oito euros. Ao outro , tive-o na mão ontem, na Fnac. Estava em promoção, tinha desconto de 40%. O preço de capa era €8,80. Poupei um pedaço, digam lá.

A menina que detestava livros

Vídeo

Como explicar que filho de peixe não queira nadar?
Os pais de Mina gostam mito de ler. Estão sempre a comprar livros novos, que se amontoam um pouco por toda a casa. Mina tem imensos livros, que os pais lhe foram dando, ao longo dos anos, mas que ela se recusa a ler. Mina detesta livros. Até que um dia… porque tudo é sempre até que um dia e, nisto dos livros, esse dia é aquele em que se descobre que os livros são portas para lugares mágicos, para seres extraordinários e para experiências inesquecíveis. O caso de Mina não deixa de ser uma reacção ao tempo infindável que os pais passam a ler – um aspecto sobre o qual devemos meditar.
Este filme é sempre um dos preferidos dos meus alunos, mas como eu gosto sempre mais de livros, ofereço-lhes o conto. Se quiserem, já sabem: é só dizer e envio por mail.

A prenda de fim-de-ano

Chegaram as férias. As da grande são oficiais, estão consagradas no calendário escolar. As da pequena são oficiosas, estão indexadas às da irmã. O que vale ter uma avó sempre desejosa de ver as meninas livres da “prisão”…

Uma teve boas notas, tem sempre. A outra não tem notas, mas traz todas as boas informações que poderíamos desejar, portanto…

Portanto é-me muito difícil resistir à tentação de as encher de prendas. Deve acontecer com todas as mães. Por mim, se não dou muitas prendas todos os dias é por causa do exagero, não só dos presentes em si, mas também do dinheiro que tal representaria.

Estes dias, pus-me a pensar e era preciso decidir. Um jogo, com que brinquem neste Verão tão tímido. Um brinquedo. Uma boneca nova. Há sempre a hipótese de um livro, que faz as delícias tanto de uma como da outra. Mas já temos tantos em casa. E a mais velha já está na fase em que os lê uma vez e depois disso já são repetidos. Nunca foi tempo de gastar dinheiro à toa, mas nos dias que correm ainda menos. E o dinheiro gasto em livros é tudo menos “à toa”, mas… Uma boa prenda seria tempo passado com elas, sem relógio nem Internet nem telemóvel. Mas para as minhas férias a sério ainda falta. Depois vão ser prolongadas, mas isso é outra coisa. E não é agora.

Decidi que merecem tudo isto. Porque merecem. E então, para cada uma, arranjei um Cartão da Biblioteca. O presente mais barato, aquele cujo valor é inestimável. Trouxe três: um para cada uma.

E então é onde passaremos hoje a tarde. Na Biblioteca Municipal Raul Brandão, aqui em Guimarães.

Ou não. Não sabemos onde os livros nos levarão…

cartão biblioteca

da leitura com as minhas filhas

Há quase quatro anos, escrevi sobre como procurava introduzir o hábito da leitura como algo regular, religioso mesmo, com as minhas filhas. A mais velha tinha na altura três anos e a pequenina era ainda muito pequenina: tinha doze meses.

Hoje, têm sete e quatro anos e eu tenho motivos para achar que, nisto do incentivo à leitura, fiz algumas coisas bem. A mais velha é uma leitora autónoma – o que não quer dizer que tenhamos deixado de lhe ler, de todo – e a mais nova é tão ou mais viciada em livros como a mãe, o pai e a irmã. Ou os três juntos.

Fiquem por agora com este texto, enquanto termino um outro, em que conto como vai a leitura das pequenas, cá em casa, no momento presente.

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Quero que a minha filha goste de ler. Ainda mais do que eu gosto. Tenho utilizado muitas estratégias para atingir este objectivo. Já há muito, o feedback que recebo indica que vou no bom caminho. Ela gosta que se lhe conte histórias (que eu conte, para ser mais precisa), mas gosta sobretudo de ver folhear o livro, de ver passar as páginas, de ouvir ler. De me ouvir ler-lhe.

(Um pequeno apontamento: falo na minha filha, no singular, porque a pequenina acaba de completar o primeiro ano de idade – e para tudo é preciso esperar pelo momento. A minha experiência como mãe de uma futura leitora cinge-se, por enquanto, à mais velha, que tem três anos.)

É claro que ela recebeu livros como prenda de nascimento e de primeiro aniversário: as Histórias e Contos Completos de Hans Christian Andersen e As Melhores Histórias dos Irmãos Grimm, respectivamente, mas trata-se de artigos “de luxo”, lá virá a sua hora.

Não foi assim que começou.

Tratei de fazer do livro um objecto normal, do dia-a-dia dela, tal como os guizos, a chupeta, a fralda que roçava com os dedos para adormecer.

O primeiro livro que ela teve era de pano, sobre o “Fundo do Mar”. As “folhas” faziam barulho e os seus cantos eram de borracha, para massajar as gengivas aquando do aparecimento dos primeiros dentes. Tinha uma asa, para ela poder agarrar, como todos os outros guizos que se destinam a bebés de três ou seis meses.

Seguiu-se um outro livro, com ilustrações giríssimas de animais marinhos (também), que era um brinquedo para o banho. Até no banho – um rápido duche – havia espaço para ler.

Quando se tornou possível interagir um pouco mais, ou seja: quando atingiu a idade que a irmã tem agora, apareceram os primeiros livros “a sério”: pequenos, à medida das mãos dela; cartonados, para serem mais resistentes, claro; com imagens, pouco texto, mas o suficiente para ela perceber que nos livros existia informação e que essa informação lhe interessava: as vozes dos animais, os seus filhotes, os elementos da Natureza, a relação entre os meios de transporte e a função a que estão destinados, o inevitável Natal, os frutos, as cores, os vegetais… Rapidamente os leu sozinha: abria na página com a imagem do perú e “lia”: “galu, galu”. Fazia as minhas delícias.

Vendo que estes estavam a “entrar”, arrisquei outros, que já contavam uma pequena história: uns livros da Anita, pequeninos, também cartonados (o que, além do mais, lhe facilitava o folhear), com oito ou dez páginas daquelas belíssimas ilustrações acompanhadas de uma ou duas frases muito simples, que resumiam os livros da Anita que conhecemos de toda a vida. Rapidamente começou a comentar a leitura: “totó”, quando a protagonista ia brincar para a neve sem casaco nem gorro, apontava para a imagem do gato quando eu lia que ele fora visitar a Anita, convalescente, etc.. Associava o livro à pessoa que lho oferecera.

Quando tinha dezoito meses, a sua capacidade de concentração já me permitia ler-lhe as histórias de um livro que recomendo a todas as mães e que encontrei nas prateleiras de um supermercado: Boa Noite, Ursinho. Um vistoso “calhamaço” com três histórias lindíssimas que a mãe Urso lê ao seu filhote para o colocar nas asas de Morfeu: histórias sobre a hora de dormir, que surge como uma coisa boa, sem bruxas, lobos maus ou outros seres capazes de despertarem pesadelos. Aprendeu-as de cor, como seria de esperar, de tantas vezes que lhas li por sua própria insistência, exigência, até.

Entretanto, o cuidado que tinha ao manusear os livros foi evoluindo também e isso permitiu alargar o leque: aos dois anos e pouco já folheava sozinha livros de folhas finas, sendo de registar que nunca rasgou nenhum.

Quando a irmã nasceu, a três meses do seu terceiro aniversário, perguntámo-nos que prenda lhe deveria trazer, o que a faria mais feliz, que presente seria mais especial. Rapidamente concluímos que aquilo que lhe dá mais prazer são os livros.

Mais tarde, quando se tornou vital criar em casa um espaço chamado “quarto dos brinquedos”, tentei uma nova “casca de banana”: junto às quatro prateleiras que já tem repletas de livros, coloquei o seu sofá, à sua medida, e uma manta que trouxe o Pai Natal, “para pores nos joelhos, se tiveres frio”. Tenho de confessar que fiquei admirada quando a vi ir directa a esse cantinho, colocar a manta nos joelhos e escolher um livro. Pode ter sido da novidade, de ter ficado assoberbada por ver os seus brinquedos, tantos, subitamente arrumados de maneira que tinha acesso a todos, o que até aí não acontecia, mas a verdade é que já se passaram vários meses e esse continua a ser o seu cantinho favorito. Dentro e fora de casa: um sofá e um livro são os ingredientes perfeitos para um bom pedaço de tempo.

Recentemente, de um momento para o outro, tivemos de sair de casa para dormir fora, situação que, sabíamos à partida, se prolongaria por uma semana. Ficou incrédula quando, à hora de dormir, nos apercebemos de que não havia livro – apenas conseguimos encontrar dois, “de bebé”, que é o que chamamos aos livros que não têm praticamente texto, que apresentam a história muito resumida. Lá lhos li, acrescentei histórias sem livro e lá passou a primeira noite.

Quando, no dia seguinte, com mais calma, fui a casa munir-me dos “precisos” para a semana, escolhi uma série de livros e levei-lhos, dentro de uma mochila. Ao chegar, disse-lhe que lhe trazia uma surpresa. Ao perceber que se tratava de uma mochila cheia de livros por onde escolher para cada noite, o seu rosto iluminou-se num sorriso!

Quais são as suas preferências? Os contos tradicionais, sem dúvida alguma. Os Três Porquinhos, Capuchinho Vermelho, O Gato das Botas, por aí adiante. Tipicamente, ouve-os vezes sem conta, seguidas, até eu os saber de cor. Primeiro em silêncio. À terceira ou quarta vez, começa a fazer uma perguntita sobre o enredo. Quando as perguntas começam a ser muitas, é sinal de que já percebeu, já assimilou todos os detalhes que lhe são importantes. Então, passa-se a outro conto. Este processo demora vários dias, claro.

Para minha surpresa (e estou a ser sincera) há novas colecções de livros, muitas vezes inspiradas em séries de televisão, que são muito bonitos, de que ela também gosta muito e que encerram informação importante e bem transmitida sobre os valores da amizade, da entreajuda, do trabalho. Quanto a mim, o problema é que são livros que se baseiam em filmes, sendo que o filme é frequentemente mais completo e mais interessante do que o livro, contrariando aquilo a que estamos habituados.

Com os contos tradicionais, o problema que surge é de outra natureza. A fúria editorial é tamanha que algumas edições recriam as histórias. Por exemplo: tenho uma versão de Os Três Porquinhos em que, em vez de cada irmão construir a sua casa, constroem os três as três casas, em sucessivas tentativas de escaparem ao lobo mau, o que desvirtua completamente, na minha opinião, a mensagem central do conto: o arquétipo de que a união faz a força.

Não sei dizer se a minha estratégia é a perfeita, se há mais e melhores coisas que eu poderia ou deveria fazer, mas uma coisa é certa: não raras vezes, encontro-a sentada num sofá, no chão, com um livro, que “lê”, em voz alta, a si própria. Conhece mais verbos introdutores do diálogo (dos complicados) do que os meus alunos de sexto ano que obtêm classificação “C” na Prova de Aferição. Sem nunca ter convivido com famílias judias, sabe que existe e o que é um menorah.

Um livro é o que escolhe para oferecer, nos aniversários, aos amiguinhos, porque, para ela, um embrulho que faça adivinhar um livro é o que lhe desperta mais curiosidade, o que abre com maior avidez.

[texto escrito em 2009]