O encontro com a Dama das Histórias

Pedro vivia com os pais, com o gato Afonso e com o seu coelho branco, numa linda casa de ardósia. Era um rapazinho “quase” como os outros…, com a diferença de que nunca parava de fazer perguntas. Cem por hora, dez por minuto! Pequenino, ainda antes de saber falar, apontava para uma coisa com ar interrogativo e, se a resposta tardava, punha-se a berrar e ficava muito vermelho. “Porque é que o chocolate é castanho? E porque é que os coelhos não gostam de chocolate? E porque é que o açúcar é doce? E como se faz o açúcar? E porque é que se diz que os Marcianos são verdes se ainda ninguém os viu?” Os pais olhavam para o céu à procura de solução, mas não caía nenhuma resposta.
Quanto mais o Pedro crescia, mais eles coçavam a cabeça porque, com a idade, as questões tornam-se cada vez mais complicadas. Era, por exemplo: “De onde vêm as doenças? Porque é que os velhos acabam sempre por morrer? E porque é que eu sou eu e não sou o Robin dos Bosques? E onde é que eu estava antes de nascer?” Eram perguntas que exigiam um pouco mais de tempo, e quando os pais estão ocupados a mudar um pneu do carro ou a fazer o jantar, é-lhes difícil responderem. Quando fazia certas perguntas (sobre os bebés, as doenças, a morte, por exemplo) a mãe abanava a cabeça e respondia:
— Hum… É uma pergunta muito delicada, meu filho. Dá-me tempo para pensar — e, sistematicamente, ou por se ter esquecido, ou porque também ela não sabia organizar as frases, a mãe de Pedro ficava calada.
Há uma idade em que, à força de se fazer muitas perguntas e de não se obter resposta, se acaba por desistir. Foi por isso que, no dia em que Pedro encontrou o Coelho Branco morto na gaiola, não fez qualquer pergunta à mãe, com receio de a embaraçar. “Com certeza”, pensava ele, “certas palavras como morte, doença, fazer bebés, são palavrões. “
Então, o rapazinho enterrou o coelho em silêncio e, com ele, a sua pergunta. Refugiou-se no jardim, na tenda que tinha só para si, como fazem com frequência os filhos únicos, e reflectiu na vida, na existência, e tudo aquilo gerou uma pequena nuvem negra que lhe dava voltas dentro da cabeça. Ficou triste e sentiu frio. Não sabia que àquilo se chamava “solidão”. Um dia, a meio da tarde, estava Pedrito refugiado na tenda, quando ouviu uma voz muito meiga. Viu então uma senhora de olhos profundos e escuros que o observava a sorrir. Podia tê-la encontrado no sótão, no meio das coisas velhas, no céu durante um baptismo de ar num helicóptero, durante a pesca, ou num concurso de música.
— Bom dia, Pedro — disse-lhe a senhora. — Sabes quem sou? Sou a Dama das Histórias.
— A Dama das Histórias?!
— Venho visitar os meninos como tu, que têm uma nuvem negra no coração. Para lhes dizer que nos livros há histórias que podem dar-lhes respostas.
— Respostas a todas as MINHAS perguntas? — perguntou Pedrito arregalando os olhos.
A Dama das Histórias hesitou:
— Não vais encontrar forçosamente TODAS as respostas, mas sim TODAS as tuas perguntas. Verás, ao leres, que outros fazem as mesmas perguntas que tu. É por isso que os livros são feitos para os meninos curiosos, para aqueles que têm milhares de perguntas e que, além disso, querem viver várias vidas ao mesmo tempo. Podes ser, ao mesmo tempo, Robin dos Bosques ou Peter Pan, sem precisares de qualquer requisito especial! E o mais maravilhoso é que, nos livros, aprendes a viver, a respirar, a experimentar coisas, a brincar… A fazer muitas coisas que não conhecias! Apenas com algumas palavras, papel e muita imaginação…
A dama entregou-lhe um livro, que ele agarrou com avidez. À medida que lia, a pequena nuvem negra desaparecia e Pedro sentia-se tão aliviado que teve vontade de cantar. O vento nas árvores murmurava: “Lê, lê… É tão bom ler!” E os pássaros juntavam-se no ninho para o verem saborear o livro.
Quando o folheava, Pedrito teve a impressão que ouvia os murmúrios dos gnomos que, com ele, viravam as páginas. Na realidade, ele já não se encontrava no jardim. Já não estava na cabana. Tanto podia estar num avião, num barco, como num castelo, com o rei Artur.
Era tudo isto ao mesmo tempo. Sentia coisas que nunca antes tinha vivido. O gosto do mar nos lábios, ele que nunca vira o mar, o sabor de um bolo de limão, ele que nunca o tinha provado, o coração que pula no peito quando se está apaixonado, ele que era tão tímido com as raparigas!
Levantou os olhos do livro para perguntar à Dama das Histórias como é que simples páginas, tinta e papel, e talvez também imaginação, podiam produzir aquele efeito.
Mas a Dama das Histórias já tinha desaparecido. Ao longe, ouviu a sua voz doce dizer-lhe (ou talvez fosse o murmúrio do vento nas árvores!):
— Pedro, hei-de voltar. Existem centenas de milhares, milhões de livros!
A nuvem escura das perguntas condensadas tinha desaparecido. No seu lugar, havia uma nuvem transparente, cheia de desejo de ler os milhares e milhões de livros do mundo inteiro.
A partir daquele dia, Pedro nunca mais se sentiu oprimido pelas perguntas. Quando começava a ter frio, a sentir-se só e tristonho, pegava num livro e a magia recomeçava.

Sophie Carquain

Ler, doce ler…

Quando olho para uma floresta vejo gnomos de orelhas espetadas a sair de dentro dos cogumelos. Quando me apetece experimentar o doce fechado naquele frasco em que prometi não tocar até Janeiro de 2003, à cause da dieta, começo a rir porque me lembro do Winnie the Pooh, que a pretexto de verificar se o mel estava bom esvaziou o pote que, ainda por cima, era para oferecer ao maníaco-depressivo do Lô. Quando me perguntam qual é o meu tipo de homem, respondo logo que não tem nada que saber, é o príncipe que mata dragões e finalmente sobe pelas tranças da sua Rapunzel, seja qual for a altura da torre. E se me cruzo na rua com alguém que corre afogueado, vejo o coelho da Alice, de relógio em punho, a dizer: “Estou atrasado, estou atrasado”. E quando tudo me chateia, e só me apetecia estar longe dali, acabo a reunião com um “desculpem mas vou para a Terra do Nunca”. E nunca me enfio num armário pela porta, ou não soubesse que por detrás de pelo menos um está Narnia…

Vivo pelos livros que li ou que me leram. As semelhanças que encontro entre eles e o mundo em que vivo confortam-me e fazem simultaneamente crescer em mim a adrenalina: afinal piso o caminho que outros já pisaram, afinal aquela calçada pode não ser apenas e só isso, uma calçada…

Trouxeram-me a capacidade de acreditar no que vejo e naquilo que não vejo, o gozo de brincar com as ideias, sem medo do absurdo, a felicidade de encontrar as minhas paixões e tristezas retratadas por um autor que eu nem conhecia – como é que ele sabia que eu me sentia assim? –, a certeza de que cada contrariedade ou obstáculo se pode superar com determinação e uma gargalhada, porque afinal os monstros têm mais medo de nós do que nós deles…

Foi isto que me trouxeram os livros que li, ou que me leram, sentada ao colo da minha mãe para os ouvir, enroscada numa manta enquanto um dos meus irmãos imitava a voz de Gollum do Senhor dos Anéis, ou dava graças a Deus pela papeira que me dava direito a sessões de leitura mais compridas. Hoje, quando os releio, baixinho para mim ou alto para os outros, revivo a história, mas por entre as linhas chega-me também o afecto desses gestos, o calor das memórias, que me deixam com a sensação de que não há privilégio maior do que um colo e um livro…

Esta é a magia dos bons livros infantis, daqueles que nunca nos saem da cabeceira, daqueles que esperamos impacientemente que os nossos filhos tenham idade para ler e que constroem um património comum de uma geração, de um país.

Isabel Stilwell
in Notícias Magazine

A casa feita de sonho

Leve como uma pluma,
alta como uma torre,
quente como um ninho
e doce como o mel,
assim imaginei
desde pequeno
a minha casa…

Mais tarde, quando me encontrei só no mundo, como não tinha dinheiro, resolvi construí-la com as próprias mãos. Fiz primeiro a minha casa de papel, que é um material barato.
E assim que ficou pronta, vieram todos os ventos da Terra e levaram a minha casa de papel, leve como uma pluma…
Fiquei sem casa, mas não desisti. E fiz a minha casa à beira-mar, com areia da praia, que é um material barato.
Mal estava pronta, vieram todas as marés do mundo e levaram a minha casa de areia, alta como uma torre…
Deu-me vontade de desistir, mas eu precisava de uma casa, e sobretudo não podia abandonar o meu sonho.
E resolvi fazer a minha casa de madeira, que é um material barato. Cortei-a dos bosques, com as próprias mãos!
Ficou linda!… Escondida entre a folhagem…
Mas ainda mal a tinha acabado, vieram todos os fogos do céu e queimaram a minha casa de madeira, quente como um ninho… Chorei sobre as cinzas, como se chora uma pessoa querida que morreu.
Mas, mesmo assim, não desisti. E resolvi fazer a minha casa de açúcar…
Mas o açúcar não é um material barato! Pois não…
Mas eu precisava de uma casa, e sobretudo, não podia abandonar o meu sonho.
Trabalhei, lutei, passei fome, para juntar o açúcar suficiente…
E quando a minha casa estava pronta — eram de açúcar as paredes, o chão, o tecto, os móveis, as portas e as janelas — vieram todos os bichos da Terra e devoraram a minha casa de açúcar, doce como o mel…
Fiquei sem casa. E desisti de construí-la com as próprias mãos…
Perguntam-me onde moro… Onde moro eu? Sei lá!… Vou pelo mundo, aqui, além, no bosque, à beira-mar… Perguntam-me se não tenho casa… Tenho, sim! Eu podia lá abandonar o meu sonho!…
Resolvi imaginá-la. Num sítio onde não chega o vento, nem o mar, nem o fogo, nem os bichos da Terra.
Fiz a minha casa com o meu próprio sonho. Ficou linda!
Leve como uma pluma, alta como uma torre, quente como um ninho e doce como o mel…

Adaptação

Ricardo Alberty
A casa feita de sonho
Melhoramentos de Portugal, 1991

Cachorrinhos para venda

Um rapazinho olhou para o letreiro da loja onde estava escrito: “Vende-se cachorrinhos.”
— Por quanto vai vender os cachorrinhos? — perguntou.
— Entre 30 e 50 euros — respondeu o dono da loja.
— Tenho 2 euros e 37 cêntimos — disse o rapazinho. — Posso vê-los?
O dono da loja sorriu e assobiou, e do canil saíram cinco bolinhas de pêlo. Um dos cachorrinhos ia ficando bastante para trás. O rapazinho viu imediatamente o cachorrinho atrasado que coxeava, e disse:
— O que é que tem aquele cãozinho?
O dono da loja explicou que ele não tinha o encaixe da anca e que seria sempre coxo. O rapazinho ficou entusiasmado:
— É esse cãozinho que eu quero comprar.
O dono da loja comentou:
— O cão não está à venda. Se o quiseres, dou-to.
O rapazinho ficou muito aborrecido. Olhou bem nos olhos o dono da loja e disse:
— Não quero que mo dê. Esse cãozinho vale cada cêntimo, tal como os outros, e vou pagar o preço total. Vou dar-lhe 2 euros e 37 agora e 2 euros por mês até o ter pago.
O dono da loja insistiu.
— Não podes querer comprar este cãozinho. Nunca vai conseguir correr e saltar contigo como os outros cães.
A isto, o rapaz respondeu, baixando-se e levantando a perna da calça. Mostrou em seguida a perna esquerda muito torta e defeituosa, presa por um grande aro de metal. Olhou para o dono da loja e respondeu suavemente:
— Eu também não corro lá muito bem, e o cachorrinho vai precisar de alguém que o compreenda!

Dan Clark

Canja de galinha para a alma
Mem Martins, Lyon Edições, 2002

As cores do Outono


A pintora Rosa Ratinha pintava quase todos os seus quadros no estúdio. Só no Outono é que saía para pintar ao ar livre. O Outono era a estação preferida de Rosa. Havia tantos matizes surpreendentes na paisagem!
Certa vez, num belo dia de Outono, a pintora embalou tela, cavalete e tintas e foi passear para junto de um tranquilo lago não longe de casa. Conhecia um lugar bonito e plano em cima de uma rocha de onde tinha vista para os bosques e montanhas ao fundo. Aí montou o cavalete com a tela e começou a pintar com pinceladas generosas.
Na árvore oca que estava por detrás dela, morava um gnomo da montanha que a observava enquanto pintava.
— Isto é que é um quadro esquisito! — disse ele, quando Rosa acabou de pintar. — Nem se vê o lago nem as montanhas. Como se chama este quadro?
— O quadro chama-se As cores do Outono — disse Rosa Ratinha. — Não se vê o lago nem as montanhas, é verdade. Só pintei o Outono, aquilo que sinto quando olho para esta paisagem.
— Ah, agora entendo — disse o gnomo. — É muito interessante.
De repente, levantou-se um vento forte que arrancou a tela do cavalete. Ela foi pelo ar a voar e desapareceu entre as árvores na margem do lago. Rosa Ratinha desceu a montanha e foi buscar o quadro. Tinha dois rasgões e havia muitas folhas, agulhas de pinheiro e pedrinhas coladas na tinta fresca.
— Que pena — disse o gnomo da montanha. — O quadro agora está estragado.
— De forma alguma! — exclamou Rosa Ratinha. — Agora é que está completo! O vento do Outono também participou na pintura e imortalizou-se no quadro com estes dois rasgões. E as folhas que estão coladas também são bem-vindas. Agora, o quadro tem uma história e só agora começou a viver!

Erwin Moser
Mario der Bär
Weinheim Basel, Parabel, 2005
Texto adaptado