Nelson Mandela, o grito da liberdade

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Pagou com muitos anos de cativeiro a sua oposição à discriminação da população negra da África do Sul. Nos piores momentos, jamais desanimou. Soube esperar e olhar para a frente com confiança e optimismo, apesar da pressão e dos medos que defrontou. E, sobretudo, soube ser reconciliador enquanto presidente dos  Sul-Africanos de 1994 a 1999.

Nelson Rolihlahla Mandela nasce a 18 de Julho de 1918 numa diminuta aldeia do distrito de Umtata, capital do Transkei, na província do Cabo, no Sudeste da África do Sul. Cresce nesta região de colinas suaves e vales férteis, entre os montes Drakensberg e as águas do oceano Índico.

Difunde-se, durante muito tempo, a ideia de que ele descende de reis, mas na realidade estes rumores são um mito. O seu pai foi chefe da aldeia e conselheiro dos governadores da tribo Xhosa, um povo orgulhoso, que dá grande importância às leis, à educação e ao acolhimento dos estrangeiros.

Mandela faz os primeiros estudos numa escola cristã metodista. Depois frequenta a Universidade de Fort Hare, o único centro de estudos superiores que, naquela época, acolhe estudantes não brancos, a 250 quilómetros da sua casa. Cursa Direito. Mas em 1940 é expulso de Fort Hare por participar numa greve estudantil.

No ano seguinte, vai para Joanesburgo, a maior cidade da África do Sul. Apresenta-se no escritório da empresa Crown Mines. Quer trabalhar nas minas de ouro, minas que nada têm de dourado, pois a terra árida, sem árvores, é esventrada, os ruídos das perfuradoras são estridentes e trovejam os estoiros dos cartuxos de dinamite. Consegue trabalho como vigilante, e assim paga os estudos.

Durante este período, filia-se no Congresso Nacional Africano (ANC, sigla em inglês), um movimento nacionalista fundado em 1912 e dirigido por Albert Luthuli – chefe zulu, professor e líder religioso –, que foi Nobel da Paz em 1960 (foi o primeiro africano distinguido com este prémio).

Em 1952, Nelson Mandela inscreve-se na Ordem de Advogados de Joanesburgo. Ele e Oliver Tambo são os primeiros advogados negros sul-africanos.

Desde 1948, sucedem-se as greves, os atentados e as manifestações contra o regime de apartheid que governava o país com a força das armas e das leis racistas. Os negros são obrigados a viver marginalizados, num Estado que separa as pessoas por classes sociais conforme a cor da pele. São imensas as vítimas de maus-tratos e, também, as mortes. Os movimentos nacionalistas negros são ilegalizados.

Mandela tem de se esconder. É o homem mais procurado pela polícia. Consegue escapar, recorrendo a todo o tipo de disfarces, até à manhã de 5 de Agosto de 1962. É preso numa estrada secundária a 30 quilómetros de Pietermaritzburg, e condenado a sete anos de prisão. Dois anos depois levam-no de novo a tribunal e, desta vez, a sentença é prisão perpétua. Mandam-no para a cadeia de alta segurança em Robben Island. Na porta da sua cela põem uma placa com a inscrição «N Mandela 466/64». Indica que é o preso número 466, admitido na ilha em 1964. Ele tem 46 anos.

A notícia da condenação de Mandela chega a todo o mundo. É considerado prisioneiro político. E numerosas organizações reclamam, desde logo, a sua libertação imediata. Milhões de estudantes por toda a Terra lançam um grito unânime: «Mandela Livre!»

Este grito só é ouvido pelo presidente Frederik Willem de Klerk, a 11 de Fevereiro de 1990, que manda libertar Mandela e põe fim a 27 anos de cativeiro. Neste dia começa a criação de uma nova África do Sul. Frederik de Klerk, o último presidente branco desta nação, acaba com o apartheid. Brancos e negros já podem estar juntos nos parques, jardins, transportes e restaurantes; viver nas mesmas aldeias e cidades; frequentar as mesmas escolas, universidades, empresas e igrejas.

Frederik de Klerk e Nelson Mandela recebem o Prémio Nobel da Paz conjunto em 1993.

A 27 de Abril de 1994, Mandela é eleito presidente da África do Sul. Compromete-se a libertar o povo das cadeias que ainda o aprisionam: a miséria e o ódio. No ano seguinte cria a Comissão para a Verdade e Reconciliação, com o propósito de promover a unidade e a reconciliação nacionais, num espírito de entendimento. E pede ao arcebispo anglicano Desmond Tutu, Nobel da Paz em 1984, que a presida.

Em 1999, Nelson Mandela retira-se da política e passa a dedicar-se à defesa dos direitos humanos, o que lhe vale, em Novembro de 2006, o prémio Embaixador de Consciência, atribuído pela Amnistia Internacional.

Leo Salvador

e então… lemos.

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Este ano tenho um quinto ano de Português… muito barulhento. E ainda por cima, como sou directora de turma deles, raro é o da em que não tenho uma queixa. Portam-se mal, pronto. Falam muito. Fazem barulho.

Podem, portanto, imaginar o meu espanto ao verificar que nas minhas aulas, cada vez mais se… ouvem as moscas. Não se ouvem moscas, que não as há, mas ouvir-se-iam, se as houvesse.

Hoje, por exemplo. Entrámos às oito e meia e, nada mais sentarem-se, comecei a ler.

Estamos a ler As Crónicas de Nárnia, comecei, naturalmente, pelo primeiro volume, O Sobrinho do Mágico, e a reacção deles está a ser… um sonho.

Não pare, professora!

Continue, por favor!

Só a primeira página do capítulo…

Só mais um bocadinho…

Não temos um livro para cada aluno, nem sequer um livro em cada mesa, que a biblioteca da escola não chega a tanto. Eu leio, eles ouvem. E ouvem deliciados.

Este livro é riquíssimo. Não apenas pelo trabalho de estímlo à imaginação, mas também pela linguagem. Isto é Literatura, assim, com letra maiúscula, no mais puro sentido do termo. Não é de admirar que faça as delícias de sucessivas gerações e que conheça várias adaptações ao cinema.

Depois da leitura – e porque não convém esquecer que estamos em aula de Português e a (nossa) vida (infelizmente) não é só Nárnia, estivemos a conversar sobre verbos introdutores do diálogo. E, também neste aspecto, este livro é de uma riqueza extraordinária.

Respondeu, retorquiu, disse, perguntou, segredou, replicou, repetiu, prosseguiu, interrompeu, comentou, exclamou, confirmou, gritou, reclamou, concordou, adiantou, sugeriu, contrapôs, murmurou, tratamudeou, declarou, insistiu, explicou, acusou, bradou…

E todos estes só hoje, em dois capítulos.

(Permitam-me este comentário e por favor não me crucifiquem: em A Floresta, de Sophia de Mello Breyner, por exemplo, isto é bem diferente. No primeiro diálogo entre Isabel e o anão, quando se conhecem, o único verbo utilizado é o verbo dizer. E nós que passamos a vida a dizer aos alunos que têm de variar, que não podem usar sempre disse, disse, disse… Sim, eu sei que há uma (UMA) excepção neste diálogo a que me refiro.)

O que eu quero dizer é apenas isto: pensem no Daniel Penac. Pensem em Donalyn Miller. Pensem em Jim Trelease. Leiam. Invistam tempo das vossas aulas na leitura. Ensinem o gosto pela leitura através da leitura e não com teorias estéreis.

Ou deveria dizer, talvez: descubri vós, professores, o prazer da leitura, o prazer supremo de ler uma história, de rir e chorar com as personagens. De descobrir mundos novos.

Repito o que já disse muitas vezes: se os meus alunos (que não são meus amigos aqui no Facebook, mas que seguem, alguns deles, aquilo que torno público, como por exemplo esta Nota) saírem das minhas mãos com o bichinho da leitura, eu terei alcançado o meu objectivo mais querido, aquele que me faz sair da cama todos os dias de manhã.

E, apenas para terminar: eu não coloco aqui fotografias de crianças. Nem das minhas filhas, nem dos meus alunos. Mas a sério que hei-de fotografar a minha Elisa, a minha Telma e os outros todos. A imagem dos vossos olhos, muito abertos, que não pestanejam enquanto leio, é uma imagem que guardarei para sempre.

Na primeira pessoa 2

Neste pequeno segmento, podemos testemunhar a reacção dos pais. Como esta actividade, tão simples, foi acolhida em casa.

Apenas uma nota para informar que estes segmentos foram “cortados” por mim. Por isso não estão lá muito bem… As minhas desculpas.

Na primeira pessoa

Hoje apetece-me. Ando há muito para fazer isto, e hoje é dia.

Este é o primeiro de uma série de pequenos segmentos da Grande Reportagem SIC que foi para o ar em Janeiro de 2012. Falava sobre o projecto de leitura que implementei com muito sucesso junto dos meus alunos do 2º ciclo – e que continuo a implementar, tendo alargado o público-alvo.

Neste primeiro vídeo, sob o olhar atento de um relógio que pára, cada aluno lê uma primeira frase de um conto diferente, dando uma ideia da variedade de temas sobre os quais lemos.

Harold Skeels

Nos Estados Unidos, em meados do séc XX, foi feito um estudo muito interessante. Passou-se num orfanato que recebia crianças sem pais ou sem vínculos e que esperavam ser seleccionadas para adopção, o que, naquele tempo, estava vedado a crianças com danos biológicos ou psicológicos graves. Harold Skeels, um psicólogo recém-formado que encontrou neste estabelecimento o seu primeiro emprego, reparou em duas meninas que tinham sido abandonadas pelas mães e chamou-lhe a atenção o seu ar desnutrido, pálido, o cabelo sem cor, o ar de infinito, o balançar constante, o choro sofrido. As suas idades de desenvolvimento eram de seis meses, embora tivessem já dezasseis e vinte e um meses. Não puderam, portanto, ser seleccionadas para adopção. Foram, então, transferidas para uma instituição de senhoras com grande atraso mental, como se dizia na época. Três meses depois, quando foi visitá-las, o próprio Skeels não podia acreditar no que via. As meninas haviam sido adoptadas por duas daquelas mulheres, que tinham uma idade mental entre cinco e nove anos. As meninas sorriam, tinham um ar alerta e interagiam com aquelas mulheres, que lhes tinham dado o seu afecto, brincavam juntas, jogavam e conversavam. Dois anos depois, em nova avaliação, a idade de desenvolvimento das meninas correspondia à sua idade cronológica.

Quando foi nomeado director da instituição, Skeels decidiu fazer uma experiência. Seleccionou dois grupos de crianças todas na idade do início de marcha. Um dos grupos era integrado por crianças com atraso, não seleccionáveis para adopção, e transferiu-as para o internato de senhoras com deficiência mental. No segundo grupo, colocou crianças da mesma idade, mas com um desenvolvimento correspondente à idade cronológica, que permaneceram no orfanato, aguardando adopção. À partida, as crianças do grupo experimental tinham um QI médio inferior a 64, enquanto no grupo de controlo o QI médio era superior a 82. Dois anos depois, os valores médios dos QI estavam invertidos. As crianças do grupo experimental tinham sido adoptadas por senhoras do asilo e subiram, em média, 30% no seu quociente de desenvolvimento. As crianças do grupo de controlo, por terem perdido sensivelmente o mesmo número de pontos, deixaram de preencher os requisitos necessários para serem adoptadas, o que veio a acontecer, cinco anos depois, com onze das treze crianças do grupo experimental: foram adoptadas por famílias da comunidade.

Trinta anos depois, em 1996, foi publicado um follow-up desta história. Grupo experimental: onze das treze crianças foram adoptadas, doze casaram, quase todas fizeram pelo menos o 12º ano, tiveram 28 filhos, com um QI médio de 104. A história de deterioração do grupo de controlo não parou. Nenhuma das crianças foi adoptada, permaneceram em instituições, com uma vida cada vez mais degradada, o máximo que conseguiram estudar foi a terceira classe, só duas casaram, tiveram cinco filhos, alguns com atraso.

Todos concordaremos que as crianças que foram adoptadas por senhoras deficientes mentais não receberam qualquer estímulo do ponto de vista cognitivo. A diferença está na ternura que receberam. Foi o que fez a diferença para terem sentido de pertença e, a partir daí, sentido de coerência na vida, resiliência.

Apenas por curiosidade: recentemente, a Universidade do Minessotta conferiu um grau honorífico a Skeels pelo seu estudo. O Reitor que lhe entregou o diploma fez um breve discurso elogiando as suas qualidades científicas e humanas. No fim acrescentou o que disse ser um pormenor, mas também mais uma razão para estar ali, emocionado. É que, disse ele, “Eu fui uma daquelas crianças que o senhor salvou!”…

Moral da história: mais do que de jogos fantásticos, os nossos filhos precisam de mimo, de beijos, de colo. Um dos conselhos mais sábios que recebi quando estava grávida da minha primeira filha veio de uma tia, que me disse: “Não te dou mais conselhos, mas dá-lhe muito mimo. E leva-a para a tua cama.”

O Dia-da-Presença

Jorge acabou os trabalhos de casa e preparou a mochila para o dia seguinte. Tinha agora tempo para brincar. Gostava de brincar aos astronautas mas, sozinho, não tem graça nenhuma.

Vai ver então o que a irmã está a fazer: sentada no tapete, ela tenta enfiar numa linha anéis de plástico às cores. É quatro anos mais nova e não percebe nada daquele jogo. Nem consegue somar um mais um…

“Que irmã tão palerma”, pensa Jorge. “Porque é que a minha irmã não podia ser antes um irmão mais velho? Ao menos agora tinha um co-piloto.”

Furioso, Jorge bate com o pé no chão.

— Vês? Deixei cair os anéis todos por tua causa! — grita a irmã que começa a chorar.

— Bem podes pendurar o teu colar nas orelhas! — grita Jorge ao sair do quarto.

— Mãe — pergunta Jorge na cozinha — queres ser o meu co-piloto? Vou voar agora para Júpiter.

— Para que é que tens a tua irmã?

Isto também Jorge se pergunta às vezes… Será que o pai tem tempo? Está sentado na sala a arrumar os jornais.

— Pai! — chama Jorge. — Vens voar comigo para Júpiter com a minha nave espacial “Estrela Branca”? Preciso urgentemente de um co-piloto.

— Agora não, Jorge. Bem vês que estou a arrumar os meus jornais.

Jorge fica a pensar no que pode fazer. Ir a casa do seu amigo António, ao lado? Às vezes brinca com ele. Mas brincar com os pais é sempre melhor. É quase como fazer anos.

Amuado, Jorge volta para o quarto dos brinquedos. Senta-se no tapete ao lado da irmã para ter alguém que o escute.

— Sabes o que é que eu gostava de ter? Mais um dia na semana — diz ele. — Um dia da semana em que os pais fossem só para nós. Um oitavo dia na semana. E sabes como se chamaria? Hum… deixa cá ver…

Jorge pensa. Diz o nome dos dias da semana em voz alta. Começa na terça-feira porque hoje é terça:

— Terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado, domingo… já sei! — exclama. Vai chamar-se presença. E vem logo a seguir ao domingo. Basta meter o dia-da-‑presença no meio dos outros dias.

Jorge põe-se em sentido em frente da irmã e diz em tom cerimonioso:

— Eu, piloto da nave espacial “Estrela Branca”, decreto que haverá o Dia-da-Presença, o dia da semana em que todos os pais brincarão com os filhos àquilo que os filhos quiserem. A partir de hoje, a semana passa então a ser: domingo, dia-da-presença, segunda-feira! E depois continua como normalmente.

A irmã ri-se.

Jorge escreve este desejo para o Natal. E escreve também porque é que quer o dia-da-‑presença: nesse dia, os pais hão de brincar com ele. O dia inteiro!

Mas os pais riem e dizem:

— Só tu! És um sonhador! — O pai faz-lhe uma festa nos cabelos. Depois agarra-o ternamente e abana-o, como se pudesse sacudir-lhe os sonhos da cabeça.

Pelo Natal, Jorge recebeu um gravador. Não um dia-da-presença. O que o gravador tem de bom é que a irmã não tem autorização para mexer nele…

Evelyne Stein-Fischer

Jutta Modler (org.)

Frieden fängt zu Hause an

Munique, DTV, 1989
(Tradução e adaptação)