Há vários aspectos a reter nesta história do Jorge. O mais importante é o paralelo que se estabelece entre brincar com os pais e festejar o aniversário. O aniversário festeja-se uma vez por ano, daí ser um acontecimento mágico. Para o acto de brincar com os pais ser igualmente mágico tem de ser igualmente raro. Sendo os filhos o bem mais precioso que temos na vida, como não arranjamos tempo para estar com eles – a brincar ou a fazer qualquer outra coisa?
Na verdade, levamos sempre uma vida tão agitada que os dias começam e acabam sem darmos conta e sem conseguirmos fazer nada que nos dê prazer. E todos os dias juramos que Hoje vai ser diferente. Hoje, quando for buscá-los à escola, vou estar de cara alegre, vou ter calma enquanto os ajudo a fazer os trabalhos de casa, não vou levantar a voz.
Mas acabamos por cair numa tentação, sempre a mesma: Então, que fizeste na escola? Com quem brincaste? Tens testes marcados? Quando são pequenitos, respondem com silêncio, mas à medida que vão crescendo verbalizam o que lhes vai na alma: Lá vem o interrogatório!
Eles têm razão. Coloquemo-nos no lugar deles: quando chegamos a casa, no final de um dia de trabalho, o que nos apetece é despir o dia. E se enfrentássemos uma série de perguntas sobre o patrão prepotente, o colega falso, o cliente que não paga, o fornecedor que falhou… Socorro! Deixem-me chegar a casa! Eu quero tirar os sapatos, mudar de roupa, chegar a casa! Já repararam como por vezes o simples gesto de fechar a porta de casa atrás de nós nos acalma, como se todos os problemas ficassem do lado de fora?
Os nossos filhos também precisam de sair do trabalho, que, no caso deles, é a escola, precisam de chegar a casa. Ao tentar saber tudo sobre o dia deles, estamos a impedi-los de fechar esse capítulo do dia, a obrigá-los a permanecer no trabalho.
Mas a verdade é que, quando são muito pequenos e os deixamos no infantário, parece que passamos o dia inteiro sem um braço ou sem uma perna e quando vamos buscá-los ao fim do dia precisamos de reaver aquele pedaço de vida deles de que estivemos ausentes. Então como conseguir isso sem fazer o tal interrogatório? Através da leitura.
Se conseguirmos criar o hábito de ler todos os dias com os nossos filhos, à noite, ao deitar, que é aquela hora mágica em que eles relaxam e se confessam, matamos muitos coelhos com a mesma cajadada. A história à hora de deitar pode funcionar como uma trégua, depois de todas as birras e ralhetes.
Criamos uma relação de proximidade com eles que vai fazer com que nos contem, sem que perguntemos, as coisas importantes que se passaram durante o dia. Mas fazemos muito mais do que isso. Fazemos com que eles associem a leitura a um momento de prazer, como um oásis de tranquilidade no fim de mais um dia agitado. Identificando a leitura com um momento de prazer, eles aprendem a gostar de ler e, na mais básica relação de causa e efeito, tornam-se bons alunos.
Devemos começar a ler-lhes muito cedo. Tão cedo quanto possível. Devemos ler aos nossos filhos a partir dos primeiros meses, das primeiras semanas, dos primeiros dias de vida. Nunca é cedo de mais. Mas também nunca é demasiado tarde para introduzir um novo bom hábito.
Ler a um filho é a contribuição mais importante que um pai ou uma mãe pode dar para o seu sucesso escolar. Embora diversos agentes educativos enfatizem a importância de fornecer um local de estudo adequado, com boa iluminação, silêncio, etc, uma criança que tenha competências de leitura e de escrita insuficientes nunca alcançará bons resultados escolares.
Um bom leitor tem um vocabulário rico e sabe utilizar correctamente a linguagem oral e escrita, de forma a veicular adequadamente as suas ideias – e obterá bons resultados académicos em todas as áreas, tanto das letras como das ciências. O motivo é muito simples: as capacidades de compreender um problema de Matemática, um texto em Ciências e de responder a um teste de História dependem da fluência de linguagem que a criança possui.
A pergunta que os pais fazem com mais frequência é esta: A partir do momento em que aprende a ler, não deve ser a própria criança a ler? Esta é uma pergunta legítima. Afinal, o que vai condicionar o sucesso escolar da criança é a sua própria capacidade para utilizar a língua – não a dos pais. Acontece que ler a uma criança é a melhor maneira de a tornar fluente na leitura autónoma. O aspecto que distingue as crianças que aprendem a ler sozinhas não é o seu QI, nem o nível socioeconómico ou académico dos pais, mas o facto de os seus pais lhes lerem regularmente, frequentemente, a partir dos materiais mais variados.
Muitos pais são muito cuidadosos com a leitura aos filhos, por exemplo à hora de deitar, mas deixam de lhes ler quando entram na escola, supondo que, uma vez que está a aprender a ler, a criança deve ler sozinha. Na verdade, os pais devem continuar a ler aos seus filhos ao longo de toda a infância e até à adolescência.
Uma criança em idade pré-escolar beneficia da leitura efectuada por um adulto porque é exposta ao nível de linguagem que um dia utilizará, da mesma forma que uma criança de dez anos beneficia ao ouvir um nível de linguagem mais difícil do que já consegue utilizar. Um texto complexo, em estrutura e vocabulário, para um aluno de oitavo ano pode ser complicado de ler, mas facilmente compreendido se for ouvido. Os mecanismos cerebrais envolvidos na audição e na leitura são diferentes.
Sabemos que educamos sobretudo pelo exemplo. Além de ler aos filhos, incutiremos neles o gosto pela leitura se eles nos virem ler. Se eles perceberem que, para nós, ler é bom, vão querer ler também.
E devemos criar em casa um clima favorável à leitura. Devemos ter livros, jornais, revistas… Todo o tipo de material de leitura. E devemos colocá-lo à mão de semear: nos locais onde as pessoas estão paradas, sem distracção… Um cesto com livros na casa de banho, outro junto à mesa da cozinha (quem nunca leu o rótulo de uma caixa de cereais?), basicamente… espalhemos material de leitura por toda a casa.