O Rouxinol do Imperador

rouxinol

Na China de outros tempos, certo imperador vivia no palácio mais extraordinário, todo de porcelana fina, de magnificência sem igual. O jardim circundante exibia as flores mais raras, e as que se distinguiam pela sua beleza tinham campainhas de prata que, tocando, chamavam a atenção de quem passava.
Tudo era maravilhoso no jardim do imperador. Estendia-se para longe, até à floresta de grandes árvores e lagos azuis que, por sua vez, descia até ao mar, de tal modo profundo que os grandes barcos ali passavam. Nos ramos das árvores habitava um rouxinol. Cantava tão bem que os pescadores, ao ouvi-lo, quase esqueciam o trabalho.
De toda a parte acorria gente a visitar a cidade, o palácio e os jardins do imperador. Achavam tudo maravilhoso, mas depois de ouvirem a extraordinária ave, diziam:
—O melhor de tudo é o rouxinol!
De regresso às suas terras, essa gente falava da cidade, do palácio e dos jardins. Os escritores e os poetas escreviam livros sobre tais maravilhas, dando sempre especial relevo ao rouxinol.
Estes livros correram mundo e alguns chegaram às mãos do imperador. Vestido de seda, sentado em belos cochins, lia com agrado o que se dizia dos seus domínios, mas, chegado ao fim, lá estava o remate:
— Entre tantas maravilhas, o rouxinol é a maior.
Um dia, o imperador mandou chamar o primeiro-ministro e disse-lhe:
— O que vem a ser isto? Como é possível existir, sem que eu o saiba, essa ave chamada rouxinol, que estes livros consideram o que há de melhor no meu império? Por que razão ainda não a vi?
— Nunca ouvi falar nela — respondeu o primeiro-ministro.
— Quero-a aqui esta noite, a cantar para mim. Só isto me faltava! O mundo inteiro sabe o que tenho, menos eu!
— Será cumprido o vosso desejo, real senhor — respondeu o primeiro-ministro, curvando-se. — Vou …
No palácio, ninguém conhecia o rouxinol. Por mais que perguntasse, nada conseguiu saber.
Voltou o primeiro-ministro ao imperador:
— Saiba Vossa Majestade que tal ave não existe. Deve ser invenção de quem escreveu esses livros!
— Não pode ser falso o que se diz nos livros enviados pelo meu amigo, o imperador do Japão. Portanto, quero aqui o pássaro esta noite, sob pena de toda a corte ser castigada!
De novo o primeiro-ministro subiu e desceu escadas, correu por aqui e por ali à procura de notícias do rouxinol, conhecido no mundo inteiro mas ignorado no palácio.
Por fim, encontraram na cozinha uma rapariga que exclamou:
— Oh, meu Deus! O rouxinol? Conheço-o muito bem! Quando, à noite, me dirijo para junto da costa, para levar a minha mãe os restos de comida que aqui me dão, oiço sempre essa maravilhosa ave, cujo doce cantar me traz lágrimas aos olhos.
— Pequena ajudante de cozinha — disse o primeiro-ministro — obterás o título de cozinheira, se me levares junto dele. Tenho de o trazer aqui esta noite!
Metade da corte (com medo do castigo, é claro) foi para a floresta à procura do rouxinol. No caminho ouviram uma vaca mugir. Certo cortesão, já radiante, exclamou:
— Ei-lo!
— Não, é uma vaca! — disse a rapariga. — Ainda estamos longe.
Daí a pouco ouviu-se o coaxar das rãs, nos pântanos.
— Encantador! — disse o capelão do palácio.
— Não, são as rãs a coaxar! — explicou a ajudante de cozinha. — Mas não tarda que o ouçamos.
Agora é ele! — disse a rapariga, daí a pouco. — Escutai, por favor!
De facto, o rouxinol cantava e todos viram um passarinho de cores discretas que, aos rogos da rapariga, cantou ainda melhor. E foi muito admirado.
Tendo consentido de boa vontade em mostrar a sua voz para deleite do imperador, foi recebido com grandes honras no palácio de porcelana, ao brilho de milhares de velas. Na grande sala onde o imperador se encontrava, colocaram um poleiro de ouro. Todos admiraram o seu canto mavioso.
O imperador tinha lágrimas nos olhos, de comovido, e foi esta a melhor recompensa para a ave. Nunca o esqueceria.
O êxito do rouxinol na corte foi extraordinário. E ficou decidido que o rouxinol ficaria na corte e teria uma gaiola só para ele. Tinha licença de dar um passeio duas vezes por dia e uma vez à noite, acompanhado de doze criados. Cada criado segurava uma fita de seda cuja ponta estava atada a uma das patas do passarinho. Passear nessas condições não devia ter mesmo graça nenhuma.
Certo dia chegou, endereçada ao imperador, urna grande caixa onde estava escrito: Rouxinol.
— Eis certamente outro livro sobre o célebre pássaro — disse o imperador.
Mas não era um livro. Dentro, vinha um rouxinol mecânico semelhante ao verdadeiro, coberto de diamantes, de rubis e de safiras. Quando lhe davam corda, cantava, movia a cauda e lançava chispas de luz. Trazia em volta do pescoço uma fita onde se lia: O rouxinol do imperador do Japão não passa de uma modesta imitação do rouxinol do imperador da China.
— Que lindo é! — exclamavam todos, entusiasmados, ao vê-lo e ouvi-lo.
— Ponham ambos a cantar ao mesmo tempo! — mandou o imperador.
Mas o pássaro verdadeiro cantava à sua maneira e o rouxinol mecânico cantava valsas.
Foi então resolvido que o rouxinol mecânico cantasse sozinho. Obteve grande sucesso, e repetiu, repetiu.
— Agora o rouxinol verdadeiro também tem de cantar — sugeriu o imperador.
Mas… onde estava ele? Ninguém se apercebeu de que voara pela grande janela aberta, em direcção à floresta.
Todos os cortesãos o censuraram:
— Que feia acção! Que ingrato! Não importa! Temos este que é bem melhor e mais bonito. Ao menos, com ele, sabemos o que vai seguir-se e podemos acompanhar a sua música. Com o outro era impossível, sempre diferente, inesperado.
O rouxinol cantava, cantava sem fadiga. Permitiu-se ao povo ver e ouvir aquela maravilha. Os pobres pescadores diziam:
— É lindo e canta bem, mas falta-lhe qualquer coisa …
Do verdadeiro rouxinol nunca mais houve notícias; já ninguém pensava nele.
Certa noite, estando o imperador deitado a deliciar-se com o canto do rouxinol mecânico, colocado em cima da mesa-de-cabeceira, ouviu-se um ruído “Tíup”! Partiu-se a corda do mecanismo; depois “Brrrr… ” e a música parou. O imperador saltou da cama, mandou vir o médico da corte, mas este não soube resolver a situação. Chamou-se então o relojoeiro, que consertou a corda e recomendou muita cautela, porque, com os parafusos gastos, podia quebrar- se novamente.
Foi grande o desgosto. O pássaro não podia agora cantar com frequência.
Cinco anos passaram.
Entre outros os cortesãos reinava a desolação, porque o seu amado imperador estava doente e não parecia ter hipóteses de cura. O sucessor fora já eleito.
Muitos choravam, enquanto outros ansiavam por aclamar aquele que viria.
O velho imperador, estendido na cama, pálido e frio, lutava com a morte. À sua volta, uma quantidade de caras estranhas parecia esperar espreitar por entre as dobras da cortina de veludo; umas tinham expressões de maldade, outras aparentavam simpatia. Representavam as boas e más acções que o imperador praticara. Este, no meio da aflição, só pedia:
— Música! Música! Quero música!
Mas ninguém dava corda ao pássaro mecânico, porque o imperador estava sozinho. Consideravam-no já morto, e os cortesãos preparavam o palácio para receber o sucessor.
— Canta, ave preciosa, canta! — pedia o imperador moribundo.
A ave continuava muda, e o imperador sentia-se morrer, esmagado pelo silêncio confrangedor.
De repente, eleva-se no ar, junto da janela aberta, uma voz deliciosa. Era o rouxinol que, num ramo lá fora, tinha ouvido os gritos de aflição do seu imperador e viera confortá-lo.
A medida que ele cantava, o imperador sentia-se mais leve, melhorava, voltavam-lhe as forças, regressava à vida.
— Obrigado! Obrigado, pássaro celestial! Reconheço a tua voz! Esqueci-te inteiramente, e tu vieste livrar-me da morte com as suas negras visões que me afligiam. Como poderei recompensar-te?
— Já fui recompensado, quando em tempos vi lágrimas nos teus olhos enquanto me escutavas — replicou delicadamente o rouxinol.
— Fica sempre junto de mim. Cantarás quando quiseres e quebrarei em mil bocados o pássaro mecânico!
— Não faças isso! — replicou o rouxinol verdadeiro. — Ele fez o que podia. Conser-va-o. Eu não posso instalar-me no palácio, mas virei, quando sentir desejos disso, e cantarei para ti, à noite, empoleirado neste ramo, junto da janela aberta, para te tornar feliz.
— Sim, farás como quiseres. O meu coração esperar-te-á sempre, para te receber com alegria e gratidão!
E quando os criados entraram, supondo encontrar o imperador já morto, viram-no, porém, sorrir e dizer calmamente:
— Bom dia!…

Hans Christian Handersen

O Ratinho das Amoras

 

O Ratinho vivia na sua casinha no campo.

Gostava muito dela porque era quente e aconchegada e tinha o tamanho ideal para um ratinho.

Mas, do que gostava mais nela, era o enorme arbusto de amoras que tinha no jardim, e que todos os anos dava uma colheita abundante de belos frutos maduros e sumarentos.

Certo Verão, as amoras do Ratinho ainda eram maiores e mais sumarentas do que habitualmente. Começou a colhê-las e já estava transpirado e cansado quando o Pardal apareceu.

— Que belas amoras! Posso comer algumas? — chilreou o Pardal.

— São todas minhas — respondeu o Ratinho. — Vai-te embora.

— Não precisas de falar assim — disse o passarinho voando para longe.

As patas do Ratinho já lhe doíam devido ao trabalho, quando reparou no Esquilo encostado ao portão.

— Dás-me algumas dessas amoras suculentas? — perguntou o Esquilo.

— Se tas der, ficarei com menos para mim — replicou o ratinho.

Assim o Esquilo foi embora de mãos a abanar.

Tinha o Ratinho parado para descansar das suas tarefas, quando a Coelha apareceu aos saltos.

— Essas amoras têm um aspecto apetitosíssimo — disse ela.

— E são — respondeu o Ratinho. — E vou comê-las todinhas.

— Então é mais que certo que vais ficar doente — respondeu a Coelha, virando-lhe as costas.

O sol estava muito quente e o Ratinho estava a ficar estafado.

Daí a pouco começou a cabecear de sono. Não reparara que havia alguém a espiá-lo.

Era o Senhor Raposo…

Quando viu que o Ratinho estava a dormir, esgueirou-se pelo portão e avançou devagarinho até conseguir chegar perto do cesto das amoras. Já se afastava quando CRAC ! Pisou um ramo seco.

O Ratinho acordou sobressaltado.

— Essas amoras são minhas — guinchou ele.

— Experimenta tirar-mas — riu-se o Senhor Raposo. — Vão ser-me bem úteis hoje ao chá.

O Ratinho não se surpreendeu por nenhum dos seus amigos o ter avisado de que o Raposo andava por fora naquele dia.

— Afinal — pensou — porque é que haviam de me ajudar, se eu não quis partilhar as minhas amoras com eles?

Então aconteceu uma coisa muito estranha. Uma bolota acertou na cabeça do Raposo!

 

PIMBA! E mais outra, PIMBA!

 

E outra e outra e mais outra. PIMBA! PIMBA! PIMBA!

O Raposo largou o cesto das amoras e fugiu a sete pés!

O Ratinho olhou para cima para ver de onde tinham vindo as bolotas. E quem acham vocês que ele viu no alto do velho carvalho?

Viu o Esquilo e o Pardal e a Coelha.

— Não podíamos deixar o senhor Raposo roubar as tuas amoras — disse o Esquilo.

— Apesar de não teres querido dividi-las connosco — acrescentou o Pardal.

O Ratinho sentiu-se muito envergonhado. Depois teve uma ideia…

Nessa tarde convidou todos os amigos para a festa das amoras. Trabalhou todo o dia a prepará-la.

Havia sumo de amora, compota de amora, geleia de amora, torta de amora e muitos outros doces de amora.

Os outros animais disseram que estava tudo delicioso.

— Afinal — disse Ratinho — talvez as amoras saibam melhor quando as partilhamos.

Matthew Grimsdale

O Ratinho das Amoras

Porto, Ambar, 2001

O papagaio que dizia “Amo-te”


 

Talvez por ser órfã de mãe e por o seu pai estar sempre fora de casa, Beatriz crescera triste e solitária. Na escola, chamavam-lhe “Beatriste”, porque se sentava sempre sozinha e não queria brincar com os colegas.

Em casa, depois de feitos os deveres, metia-se no quarto e lia até adormecer.

Beatriz tinha um pesadelo frequente: estava numa ilha deserta e não avistava nenhum barco. À noite, tinha frio e, de dia, fome e sede, pois o único alimento que havia na ilha era o coco. Ao acordar, Beatriz dizia para consigo: “Afinal, a minha vida é igual à do meu pesadelo”.

Não tinha amigos e os dias sucediam-se sem sentido, uns atrás dos outros, como cocos a cair de palmeiras.

Como dormia mal de noite, Beatriz acordava com sono e com poucas forças para falar com o pai. Este via o noticiário e saía logo a correr para o escritório, onde ficava a trabalhar até muito tarde. Quando voltava, já Beatriz estava a dormir, ou melhor, acordada, na sua ilha deserta cheia de coqueiros.

A menina interrogava-se se o pai gostaria mesmo dela ou se viera a este mundo por acaso, já que ele nunca a abraçava, beijava ou dirigia palavras de carinho. As conversas com ele eram sempre do género:

— Beatriz, não te esqueças, como ontem, do caderno dos deveres.

— Sim, papá.

— Já puseste o lanche na pasta?

— Sim, papá.

— Não atravesses a rua com o sinal vermelho ou amarelo!

— Sim, papá.

As trocas de palavras entre ambos não passavam disto, porque o pai, se calhar, era tão tímido como ela. Talvez ele também vivesse numa ilha, que barco algum jamais visitava…

******

Contudo, numa segunda-feira de manhã, aconteceu algo extraordinário que mudaria para sempre a vida de Beatriz.

Ainda não bem desperta, a menina teve a impressão de estar a ser observada. Todavia, ao abrir os olhos, viu que não havia ninguém no quarto. Nem se ouvia sequer o barulho da televisão, sinal de que o pai já tinha saído e lhe deixara o pequeno-almoço em cima da mesa.

Mas, quando olhou para a janela, Beatriz viu um papagaio grande e verde, pousado nas cordas do estendal. A ave olhava para ela de esguelha. Recuperada do susto, a menina perguntou-se de onde teria vindo aquele papagaio e o que faria ali, a espiá-la. Cheia de curiosidade, saltou da cama e abriu a janela para o ver melhor.

— Papagaio, pequenino, vem cá! — chamou-o em voz baixa, para não o assustar.

Tinha certamente escapado da casa de algum vizinho, pois logo respondeu ao convite de Beatriz, acercando-se dela.

— Perdeste-te? — perguntou a menina. — Vens de alguma ilha longínqua, cheia de palmeiras?

A ave pousou no braço de Beatriz, que a princípio se assustou. Porém, quando viu que o papagaio não a picava e que queria ser seu amigo, pô-lo no seu quarto, onde colocou um copo de água e um prato com migalhas de pão. Em seguida, saiu para a escola, muito feliz.

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Ao meio-dia, telefonou ao pai para lhe contar o que se tinha passado e para lhe pedir que a deixasse ficar com o papagaio. Ia chamar-lhe Tequilha porque imaginava que ele tinha vindo de um país longínquo onde bebiam esse licor.

O pai falava pouco mas era muito atento. Por isso, quando Beatriz voltou da escola, já encontrou Tequilha instalado numa gaiola dourada, com o comedouro cheio de sementes de girassol.

— Olá! — cumprimentou-a, na sua voz estridente.

— Sabes falar! — exclamou a menina, admirada. — Ora vê se consegues dizer o meu nome: Beatriz, Beatriz, Beatriz…

Tequilha seguia atentamente a lição e movia o bico, mas não conseguia repetir o nome. Beatriz, que lera que os papagaios e os periquitos têm muita facilidade em pronunciar o “t”, disse-lhe:

— Chama-me então Beatriste, como fazem na escola. Beatriste, Beatriste…

Nem precisou de o repetir pela terceira vez, porque o papagaio logo exclamou:

— Beatriste!

A dona, orgulhosa, pulou de alegria. Depois de um dia tão bonito e emocionante, e logo após a empregada lhe ter servido o jantar, Beatriz deitou-se e adormeceu, cansada. Quando a luz da manhã a acordou, Tequilha estava a descascar uma semente, que segurava com uma pata.

— Bom dia, Tequilha! Não cumprimentas a tua Beatriste?

O papagaio acabou de descascar a semente, comeu-a com prazer e bradou:

— Amo-te!

Quando ouviu isto, Beatriz não conteve um grito de emoção. Depois, pensou que não era normal que o papagaio tivesse dito uma expressão típica de um galã de telenovelas. Será que vira muitas ou teria pertencido a algum par de recém-casados?

Podia ser apenas uma casualidade. Os papagaios brincam com as palavras que vão ouvindo e, por vezes, dizem coisas com sentido.

“Deve ser isso”, pensou Beatriz.

Contudo, na manhã do dia seguinte, Tequilha acordou-a com uma saudação igual:

— Amo-te!

— Quem te ensinou isso? — disse Beatriz. — Só os adultos usam essa palavra.

Como os papagaios falam, mas não conversam, Tequilha continuou a olhar para a sua dona e amiga com grande interesse, sem, contudo, dizer mais nada. Depois descascou outra semente.

Quando na quinta-feira, logo de manhã, o papagaio voltou a exclamar “Amo-te”, Beatriz resolveu investigar. Era estranho que as declarações de amor do papagaio só ocorressem de manhã. Quer de tarde quer à noite, Tequilha só dizia “Olá!”, “Beatriste” ou “Caramba!”.

******

Sabendo que o pai ainda estava a tomar o pequeno-almoço, Beatriz correu a expor-‑lhe o mistério. Mas o pai, muito vermelho e quase a engasgar-se, nada respondeu. Levantou-se, apressado, despediu-se da filha com um beijo e saiu de casa com a pasta.

De repente, Beatriz compreendeu o que acontecera e teve vontade de chorar. Só que de felicidade, desta vez! É que Tequilha repetia, cada manhã, o que o pai de Beatriz lhe dizia à noite, quando ela já dormia.

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Agora reflete…

O Afeto

“O amor é a cura de todos os males”.

Leonard Cohen

Os sábios da Índia dizem que, quando olhamos para o mundo, o colorimos com as nossas próprias cores. Por isso, se olharmos os outros com ódio ou desconfiança, iremos receber ódio e desconfiança. Pelo contrário, se os virmos com amor, viveremos sempre rodeados de carinho.

E tu, como preferes viver?

Há quem tenha vergonha de expressar os seus sentimentos, mas isso não significa que não gostem de nós. Muitas vezes basta que lhes mostremos o nosso amor (com palavras amáveis, com um beijo, com um presente inesperado…) para nos abrirem o coração.

Se te custa dar carinho a alguém de quem gostas, imagina que o mundo vai acabar amanhã. O que farias hoje? Certamente correrias a abraçar os teus pais, irmãos e amigos. Dir-lhes-ias o quanto gostas deles, e falarias dos bons momentos que passaram juntos… Para fazeres isso, não é preciso esperar pelo fim do mundo! Podes começar hoje mesmo a dar-lhes afeto… mesmo que seja à tua maneira!

Mostra o teu carinho

Há muitas maneiras engraçadas e originais de demonstrar amor a quem te rodeia. Eis algumas:

a) Escrever um lindo poema no frigorífico com letras magnéticas.

b) Colocar um desenho muito alegre e bem colorido no seu quarto.

c) Compor uma canção para ele/a.

d) Oferecer-lhe um trabalho manual feito por ti.

Etc., etc.,…
Dr. Eduard Estivill; Montse Domènech

Cuentos para crecer: Historias mágicas para educar con valores

Barcelona: Editorial Planeta, 2006

(Tradução e adaptação)

A história de Honorina, a gansinha que não queria ir para a Escola Grande

Numa pequena aldeia de província chamada Guardagansos, vivia uma gansinha que, por estes dias, apresentava um ar bem pálido. As asas de Honorina tremiam e a gansinha tropeçava nas suas grandes patas. E, contudo, nem sequer era a época da caça. Nessas alturas, muitos gansos ficavam doentes de pura inquietação. A mãe colocou o termómetro debaixo da asa da filha, como fazem todos os gansos quando querem saber se têm febre.

─ Não tens temperatura ─ anunciou. ─ Tanto melhor.

Por precaução, chamaram o Dr. Campo, o médico da capoeira. Este chegou de bicicleta, vestido com um smoking, e trazia um charuto ao canto do bico. Era a sua indumentária habitual:

─ Não vejo faringite, nem laringite, nem otite, nem apendicite, nem sinusite, nem dinamite ─ concluiu, após uma breve observação da doente.

Tirou o livro de receitas do casaco, pegou numa pluma das suas e molhou-a no seu tinteiro. Escreveu: doze bombons de morango por dia, um chocolate quente (com muitas natas), e uma fatia de bolo de castanhas.

─ Porquê bolo gelado de castanhas? ─ interrogou-se a Mãe Gansa, que se espantava sempre com as receitas do Dr. Campo.

─ Porque é delicioso e, neste momento, a sua filha precisa de mimos ─ respondeu o desconcertante médico.

E sussurrou ao ouvido da mãe:

─ Sei perfeitamente qual é a doença da Honorina. Tem dores de escola!

─ Dores de escola? ─ espantou-se a mãe.

Com o seu dedo patudo, o médico indicou na sua agenda a data do primeiro dia de aulas. A mãe sorriu, cúmplice. O extravagante médico tinha razão. Honorina tinha pavor de ir para a Escola Grande.

Desde o início das férias que a mãe lhe dizia:

─ Atenção, Honorina! Vais entrar para a Escola Grande. Na Escola Grande, acabaram-se os brinquedos, o trenó, as bonecas, as casinhas, os bombons, os aniversários. É uma escola a sério!

Quantas vezes tinha a gansinha ouvido já esta expressão “É uma escola a sério!”? Todos lhe diziam que agora era crescida: a tia, a avó, a padeira… E Honorina perguntava-se o que se faria de tão sério assim naquela escola.

─ Talvez tenhamos de fazer o pino. Talvez tenhamos que pintar com as nossas próprias plumas. Talvez tenhamos que conhecer todas as plumas da capoeira. Ou contar milhares de grãos. E talvez nos enfiem num quarto escuro em vez de nos deixarem ir ao recreio e nos depenem como se fôssemos galinhas vulgares…

Está-se mesmo a ver que Honorina tinha uma imaginação muito fértil… O que é normal quando nos sentimos inquietos. Morria de medo só de pensar em todas aquelas hipóteses. Não se costumava dizer “Burra como uma gansa”? Talvez se rissem dela na turma, caso dissesse uma asneira tão grande como ela. E se lá só houvesse perus, pavões, e uma professora galinha insolente, que cacarejaria com má cara e distribuísse bicadas a torto e a direito? Quando Honorina fechava os olhos, via uma casa enorme, enormíssima, com paredes brancas e frias como um hospital. E via-se perdida, no meio daquilo tudo…

Quando a pequena gansa estava a pensar nisto tudo, a mãe entrou no quarto com uma chávena de chocolate quente e uma fatia de bolo de castanhas. Sentou-se e, enquanto acariciava a testa da filhinha, abanava a cabeça. Não sabia como a sossegar. Ela própria não se sentia sossegada. Tinha a impressão de que a sua menina tinha crescido depressa demais, e de que não precisava tanto da mãe. Vê só como se metem ideias falsas na cabeça das pessoas! É que a Honorina achava que a mãe queria ver-se livre dela!

Perguntou à mãe, num fiozinho de voz:

─ Mamã, quando eu for para a Escola Grande, vais estar sempre por perto para me fazeres um chocolate quente? E haverá lá alguém para me ajudar, quando eu me sentir perdida?

A mãe pôs a asa em volta da filha. Os olhos brilhavam-lhe:

─ Honorina, não te apoquentes. Eu vou estar lá contigo, sentada num cantinho da tua secretária.

E murmurou outras coisas ao ouvido da filha, coisas que só as mães sabem dizer às filhas. Histórias que falam de uma criança que cresceu, mas que ainda é criança.

Honorina sorriu. Sentia-se muito melhor. Seria o efeito do chocolate quente, do bolo, ou das palavras açucaradas da mãe? Os seus olhos pestanejaram. Sentia-se tão segura agora que adormeceu debaixo da asa da mãe.

É tão bom, às vezes, ainda ser pequeno …

Sophie Carquain

Burros & Livros

Chama-lhes “biblioburros”. Os animais são baratos, fiáveis, não precisam de gasolina e vão a quase todo o lado. Um homem leva livros em cima de asnos a aldeias porque acredita que, se houver bastantes pessoas a apaixonarem-se pelas histórias, poderá quebrar-se o ciclo de 40 anos de violência entre os guerrilheiros e as forças paramilitares.
Todos os fins-de-semana, Luís Soriano e dois burros carregados atravessam montes e vales no Norte da Colômbia, onde aldeias como El Dificil e El Tormento receberam estes nomes, e bem, porque a única forma de lá chegar é através de trilhos tortuosos.

A missão de Soriano é quixotesca e a carga dos burros é preciosa: caixotes com 160 livros destinados às aldeias isoladas, onde os residentes não têm virtualmente acesso à leitura, para além de alguns textos da escola primária, em folhas já marcadas por muitas dobras, e Bíblias.
Há cinco anos, esta biblioteca itinerante, a que Soriano chama “biblioburros”, é a única nesta pobre e remota zona rural. “As pessoas daqui adoram histórias”, diz Soriano, de 32 anos, antigo livreiro de uma aldeia do estado da Magdalena. “E eu tento, à minha maneira, manter vivo esse entusiasmo.”
Soriano apaixonou-se pelos livros aos seis anos, e licenciou-se em Literatura espanhola depois de ter estudado com um professor que se deslocava à aldeia, duas vezes por mês. Esta paisagem rude, onde viveu toda a sua vida, poderá fazer despistar qualquer meio de transporte com rodas, enquanto os animais, penosamente, lá vão progredindo. “Os animais são baratos, fiáveis, não necessitam de gasolina e podem ir praticamente a todo o lado”, observa.
Numa pasta vermelha, Soriano guarda uma lista dos títulos que os aldeãos pedem com maior frequência. Embora a sua biblioteca itinerante inclua romances, histórias e textos medicinais, os livros mais populares são as histórias infantis com acontecimentos incríveis, em locais improváveis, onde os animais se assemelham aos homens e são os heróis. Talvez seja por isso que Soriano e os seus burros se enquadram tão bem aqui.
Antes da sua volta semanal, à noite, Soriano coloca os livros em bolsas de plástico individuais, fechadas em capas de lona. Arruma as capas em pacotes do tamanho de pastas, aconchegando-as em caixotes de madeira que prende nas selas dos burros. Soriano tem apenas duas regras para quem quer ler os livros: lavar as mãos e não escrever nas páginas. Ele sabe quem levou este ou aquele livro, mas declara confiar mais no sistema da honestidade. “Talvez seja uma das únicas bibliotecas do mundo onde as pessoas vêm com as suas mochilas e não são controladas à saída”, observa Soriano.
Antigamente, Soriano levava uma vida mais normal, pois era dono de uma loja de abastecimento e tinha uma família para criar. Lia por prazer e tinha em casa uma biblioteca com cerca de 80 volumes. Depois, começou a emprestar os seus livros, vasculhando, pedindo e emprestando para obter mais. Acabou por aumentar a colecção para 4800 livros. A sua mulher, Diana, estava cada vez mais desesperada com falta de espaço para criar os três filhos. “Ela costumava perguntar-me: O que vais fazer, comer livros com arroz?”, conta Soriano.
Há três anos, Soriano encontrou um patrocinador. Addis Marilyn, director da biblioteca municipal de Santa Marta, uma cidade a cerca de 300 quilómetros, situada na costa das Caraíbas, ouviu falar do que ele fazia e convidou-o para trabalhar como uma sucursal sua. Aproveitando a ideia de Soriano, Marilyn patrocinou outros dois projectos de “biblioburros”. Actualmente, os três partilham um orçamento que ronda os sete mil dólares (5700 euros).
Soriano diz não ter tido sorte ao pedir ajuda às autoridades locais para montar uma biblioteca decente, mas o governo nacional interessou-se mais. Ainda há pouco tempo, um senador propôs-lhe criar uma rede de bibliotecas transportadas por burros para todas as zonas rurais da Colômbia.
Para se preparar para esta viagem, uma jornada de três horas até à aldeia de Las Planadas, além dos livros, Soriano embalou também 40 máscaras de porquinho que conseguiu obter com a ajuda de Marilyn. Pretende distribui-las às crianças da aldeia antes de estas lerem “Os Três Porquinhos”. Como idealista que é, Soriano pensa que, se houver bastantes pessoas a apaixonarem-se pelas histórias, poderá quebrar-se o ciclo de 40 anos de violência entre os guerrilheiros e as forças paramilitares.
Os soldados paramilitares, que alegadamente usam os lucros da venda de droga para financiar um sistema de intimidação e ameaças de morte, controlam grande parte das aldeias da região. Mas Soriano diz que ele e os seus burros se mantêm afastados de tudo isso e, em troca, os militares respeitam-no. Muitas das crianças não sabem ler, por isso, ele ensina-as frequentemente. Por vezes, também ensina os pais.
Alberto Mendoza, de 11 anos, ajoelha-se juntamente com os outros. A sua família, ao contrário das das restantes crianças, tem um livro em casa. “Temos um livro”, declara, “A Bíblia.” Numa visita anterior, Soriano mostrara a Alberto um livro ilustrado sobre um filhote de urso que passa uma tarde inteira a construir castelos na areia e a regar um jardim cheio de flores com o seu avô. Hoje, esse mesmo livro encontra-se pendurado numa árvore. Quando Soriano termina a história e diz às crianças que podem escolher os livros que querem, Alberto corre para a árvore e agarra o livro do ursinho antes que alguém consiga lá chegar.

Colômbia / Missão Quixotesca / Texto: Monte Reel
Exclusivo Público/Washington Post

A busca do tesouro

A pequena princesa está há cinco dias de visita em casa do pequeno rei. Durante todo esse tempo não se aborreceram um único minuto mas hoje estão sentados nas escadas no palácio e não parecem muito alegres. Já jogaram os jogos todos, visitaram as torres todas, comeram a reserva de doces que havia na despensa e a despedida aproxima-se.
— No meu último dia vamos ficar aqui sem fazer nada? — pergunta a pequena princesa impaciente.
— Bem… — diz o pequeno rei — acho que sei o que ainda podíamos fazer.
— Sim? Ora diz lá! — pede-lhe a pequena princesa, curiosa.
O pequeno rei vai ao quarto, tira da gaveta da secretária uma caixinha de ouro e abre-a.
— Eu tenho uma carta antiquíssima de um tesouro — sussurra misteriosamente, ao abri-la.
— Oh, óptimo! — a pequena princesa bate palmas, entusiasmada e depois começam a estudar o mapa em conjunto.
— Aqui é o castelo — diz o pequeno rei, apontando com o dedo para a parte de baixo do mapa.
— E daqui segue-se para esta árvore. Anda! — ordena a princesa.
Os dois correm para fora de casa.
— Oh, tantas árvores! Qual será a árvore certa?
— A que for parecida com uma ovelhinha.
— Está aqui!
As duas crianças reais correm para a árvore de copa um tanto singular.
— E a partir daqui?
— Está um olho marcado ao lado da árvore — murmura o pequeno rei.
A pequena princesa descobre um buraco num nó de um ramo e espreita por ele.
— Estou a ver um montículo.
O pequeno rei alegra-se.
— Oh! Isso também vem marcado no meu mapa!
Quanto mais a princesa e o pequeno rei se aproximam do objectivo, mais se entusiasmam.
— Primeiro precisamos de cinco sapatos — pondera o pequeno rei.
— Porquê?
— É assim que está no meu mapa.
A pequena princesa já tem uma ideia: cinco sapatos são cinco passos para a esquerda.
— Ele tem de estar aqui! Viva! — os dois caçadores de tesouros dão as mãos e dançam em roda aos saltos.
— Temos um tesouro, temos um tesouro! — cantam alegremente. A pequena princesa senta-se sem fôlego no chão e diz:
— Vá, começa!
— O quê? — pergunta o pequeno rei.
— Então! A escavar!
O pequeno rei olha para a princesa muito admirado.
— Aaa… Não tenho pá… e já descobri o mapa do tesouro. Tu é que tens de cavar.
— Uma princesa não pode andar por aí a cavar. Sê um cavalheiro e faz isso pela tua visita, está bem? — a pequena princesa pisca o olho ao pequeno rei e acrescenta: — Vais buscar uma pá?
— Não, tenho uma ideia muito melhor. Greta! Au-Au! Tigre! Vinde todos aqui! Encontrámos um tesouro. Vinde todos ajudar!
Os amigos chegam a relinchar, a ladrar e a bufar. Mas Au-Au não precisa de ajuda e faz tudo sozinho e, além do mais, ainda se diverte. Cavou um buraco no chão arenoso e fofo à velocidade do vento. O pequeno rei, a pequena princesa, Greta e os outros estão um pouco afastados para não receberem com a terra. Agora já nem se vê Au-Au.
— O tesouro está muito fundo! — comenta a pequena princesa.
— É esquisito. Pára, Au-Au, há aqui qualquer coisa que não bate certo! — o pequeno rei olha pelo buraco e ajuda Au-Au a trepar para fora.
— Ora bem, não entendo. Porque é que não está cá nenhum tesouro, quando fui eu mesmo que fiz o mapa?
— Hiii! — Greta relincha um resmungo.
— Au, au, au! — ladra Au-Au indignado.
E a pequena princesa até dá um empurrão ao pequeno rei.
— Como? Uma carta do tesouro feita por ti? Então bem podemos procurar durante muito tempo! — ofendida, cruza os braços e vira a cara para o lado. O pequeno rei volta a estudar novamente o mapa.
— Vamos lá ver outra vez… Primeiro estivemos aqui e depois… Oh, já sei! No monte seguimos na direcção errada. Não é para a esquerda, mas para a direita. Venham, vamos tentar outra vez.
O pequeno rei vai a correr à frente e os outros seguem atrás, devagar.
— Desta vez estamos bem. Venham! Onde é que estão? Venham ajudar-me!
— Auuuuuu — uiva Au-Au. Ele já cavou. Greta faz de conta que está a coxear e a pequena princesa limita-se a dizer:
— Pf!
— Ajudem-me, que eu dou-vos do meu tesouro!
— Não — diz a pequena princesa abanando a cabeça.
— Pronto, eu faço sozinho e fico com tudo para mim!
O pequeno príncipe começa a cavar e, passado um momento, exclama:
— Oh, está aqui alguma coisa dura!
Os amigos apuram o ouvido mas não se aproximam. O pequeno rei continua a escavar.
— Está aqui uma caixa! Ahh, eu sabia! É o meu tesouro! Iupi!
Com muito esforço, o pequeno rei retira a caixa da terra mas, mesmo assim, ninguém o ajuda, pois estão todos muito surpreendidos. O pequeno rei sacode a terra do velho baú e abre-o.
— Hiiii! — relincha Greta admirada.
E a pequena princesa fica de boca aberta.
— Descobriste um tesouro verdadeiro? Não é possível! Isso nem era nenhum mapa a sério! Ou seria?
Por cima da tampa do baú, o pequeno rei olha para os amigos, que ainda não deitaram uma olhadela à sua caixa.
— Claro que era verdadeiro! Não estão a pensar que eu ia fazer um mapa sem um tesouro verdadeiro, pois não?
Os amigos olham de boca aberta.
— Claro que não esqueci o tesouro. Uhm! E que coisas deliciosas estão na caixa! Ossos tenros, boas cenouras, cerejas e bolos. Oh, e até uma bola para jogar! Que pena vocês não quererem nada disto…
À volta do pequeno rei, todos ficam embaraçados.
— Isto é alguma surpresa de despedida? — pergunta a pequena princesa baixinho.
— Bem, talvez — responde o pequeno rei.
Todos se aproximam e espreitam, curiosos para dentro da caixa.
— Só mesmo tu! Primeiro esqueces-te da pá e agora faltam as facas e os garfos.
— Mas nunca me esqueci do mais importante. Do que se precisa numa busca ao tesouro? De um mapa e de um tesouro. E de que é que se precisa para comer um tesouro? De uma única coisa: de amigos que comam connosco, ah, ah, ah!
O pequeno rei também tem uma toalha de piquenique dentro da caixa.
Que belo lanche de despedida para a pequena princesa!
E ela já sabia o que iria oferecer-lhe na próxima visita: uma pá. Pelo sim, pelo não…

Hedwig Munck

Der kleine König sagt “Gute Nacht”
Plauen, Junge Welt, 2003
(Tradução e adaptação)

As fadas dos sonhos

Coelhinho e Ratinho estão sentados no jardim de Coelhinho, debaixo de uma macieira.

— Ouvi dizer que as fadas moram nos fundos dos jardins — disse Ratinho.

E chamou em voz alta:

— Fadas, onde estais?

— O que é que as fadas farão durante o dia? — perguntou-se o Ratinho.

— Acho que ajudam as flores dos jardins a crescer e tomam conta das abelhas e dos besouros — respondeu o Coelhinho.

— Fadas, onde estais?

Puseram-se à procura mas não encontraram nem uma.

— Se calhar estão com fome — sugeriu o Ratinho — Vamos apanhar maçãs para elas.

Então os dois amigos juntaram um monte de maçãs brilhantes e gritaram:

— Fadas, vinde buscar as vossas maçãs!

Mas não apareceu ninguém.

— Se calhar estão escondidas no cimo das árvores — disse Coelhinho. Então, os dois amigos treparam à macieira e começaram à procura. Encontraram alguns pássaros, algumas borboletas e um escaravelho, mas nenhuma fada. Ratinho e Coelhinho adormeceram e sonharam com fadas a cheirar flores e a polir maçãs.

Quando acordaram, o Coelhinho tinha encontrado uma resposta à sua pergunta.

— Acho que as fadas vivem nos sonhos — disse.

— Tens razão — concordou o Ratinho e, sorrindo, os dois voltaram a adormecer.

Moira Butterfield
The Dream Fairies
New York, Barron’s Educational Series, 2002
Tradução e adaptação

Uma longa sesta

A Família Porco-Espinho leva a questão do sono tão a sério que faz questão de dormir durante todo o Inverno. Mas ainda havia tanto para preparar… o que o Chico, o filho mais velho, gostava mesmo de fazer era recolher maçãs para o famoso sumo e a não menos conhecida compota da Mamã Porco-Espinho, pois podia sempre dar uma dentada aqui e ali… só para ver se as maçãs estavam suficientemente maduras!
Realmente, a Mamã Porco-Espinho fazia tanto sucesso com o sumo e a compota que as amigas estavam sempre a pedir a receita.
– É segredo! – respondia-lhes ela, mas depois brindava-as com uma garrafinha de sumo ou uma bela compota…
Ora, talvez o segredo da sua receita fosse a colaboração de todos os membros da família: enquanto a Mamã cozia as maçãs para fazer a compota, o Chico ajudava o Papá a fazer o sumo, a Quica decorava e colava os rótulos nas garrafas e nos frascos, e o Tico, o bebé da família, provava o resultado final e dava a sua opinião!
– Ele é que tem sorte! – exclamavam o Chico e a Quica, rindo-se.
Mas o tempo corria depressa e a Família Porco-Espinho tinha mesmo de ultimar os preparativos. O Papá pedira aos gansos para guardarem as penas que lhes fossem caindo, e eles assim fizeram. Agora, em troca de umas compotas de maçã, a Família Porco-Espinho recebia um enorme saco cheio de penas de ganso, que utilizaria para fazer a colcha cor-de-rosa que a Quica tanto queria. E era ela própria quem ia fazê-la! Mas seguindo as indicações da mão e com a ajuda do Chico, depressa a acabou.
– Está a nevar! – gritou ela uma manhã, ao espreitar pela janela.
– Então, temos de nos despachar! – disse o Papá Porco-Espinho, colocando mais lenha no fogão de sala, para que a casa ficasse quentinha o Inverno todo.
– Vais dormir uma bela e longa soneca – explicava a Mamã ao Tico, que ia fazer a sua primeira hibernação.
– É que está a chegar o Inverno, vês? – continuava o Chico, apontando para o calendário. – E no Inverno costumamos hibernar, pois está muito frio para brincar… Hihihi!
Então, todos os membros da Família Porco-espinho vestem os seus pijamas, e o Papá programa o despertador que os acordará na Primavera. Era um despertador diferente, pois em vez de mostrar as horas, mostrava as estações do ano. A melancia representava o Verão, a castanha simbolizava o Outono, o azevinho indicava o Inverno, e a flor…
– Já está! Já programei o despertador para nos acordar na Primavera… Quando aparecerem as primeiras florzinhas, o despertador dará sinal – anunciava o Papá, olhando para os filhotes.
O Tico já dormitava, e o Chico e a Quica já bocejavam, sinal de que estava na hora… de iniciarem uma longa sesta.

– Dorme bem, Mamã!
– Dorme bem, Papá!
– Dorme bem, Chico!
– Dorme bem, Quica!
– Dorme bem, Tico!

Anna Casalis
Boa Noite, Ursinho!
Edições Asa, 2007

Grampa-Lop

Deep within the forest of dreams lies a gnarled thicket of wood. The branches fold out far above to form a rich green umbrella that protects all the creatures that live here from the crystal spring showers of early April and May. The rains fall for an hour, maybe two, and then the sun, with rays like golden ribbons at a county fair, streams through the leaves to the ground below.

It was in this thicket that the rabbits of the forest lived and played all their lives. There were rabbits with big fluffy tails and rabbits with barely any tails at all — short ones, fat ones, skinny ones, fluffy ones, and one very old rabbit called Grampa-Lop.

Grampa-Lop was so old that his fur had long since turned to grey. He wore a tattered scad-wrapped around his neck, and always carried a twisted stick that he used for a cane.

Every afternoon at about two or three, Grampa-Lop would sit on his favorite stump and enjoy the warmth of the sun. He would sit quietly until — without his noticing — all the young rabbits would gather around his feet. They would try to be quiet, but it was so hard that a couple of them had to stuff their ears in their mouth to keep from laughing.

Grampa-Lop would lean back on the stump, look around, and begin in a very soft, low voice: “Once upon a time, in the land of mist and magical things, there was an enchanted forest…”

As he would slowly tell the tale, a very strange and wondrous thing would happen. Grampa-Lop would begin to stand straighter and straighter. The sunlight would flash from his brown eyes and sparkle throughout the forest. And his fur would glow.

The little rabbits would be totally enchanted as he recounted his tale, because suddenly the very old Grampa-Lop would become the Wizard of the Wood. Most of the rabbits would get so caught up in the story itself that they wouldn’t even know that he had finished. He would have to say, “Now, little bunnies, it’s time you were on your way.” And with that they would scamper back to the thicket in the wood.

Now, the older rabbits were becoming more and more concerned about the little ones. One day, after the little bunnies had disappeared as usual, the older rabbits all gathered together at the thicket.

“I wonder where they go?” they asked themselves. “Every day they disappear at the same time.”

“I bet they go off and see that old, useless rabbit, Grampa-Lop,”’ said one. “I just know they’re up to no good!”

They chittered and chattered for a while and then decided that when the little rabbits returned that afternoon they would find out exactly what was going on.

Sure enough, right on schedule, the little rabbits returned and, as agreed, the older rabbits asked where they
had been.

“Well,” one said, “we went into the forest to see Grampa-Lop and he told us a wondrous story of the woods. When he told us the story, the most wonderful, magical thing happened. Grampa-Lop became the Wizard of the Wood!”

“I knew it!” fumed one of the older rabbits. “That old rabbit is teaching these kids nothing but a pack of lies.”

“But it’s true!” chorused the little rabbits. “When he tells us stories, stars and sparks appear. It’s magic.”

The older rabbits hopped off to one side and muttered to each other, occasionally looking over their shoulders. Finally, they stormed back to the children.

“We’ve decided that you are lying because there is no such thing as magic. For that you are to go to bed right this instant, with no supper, and from now on you are forbidden to see this Grampa-Lop ever again!”
With tears streaming from their eyes, the bunnies all shuffled off to their beds. They had heavy hearts and very empty stomachs.

The next day, as usual, Grampa-Lop sat on his favorite stump, soaking up the warm sunshine and waiting for the little rabbits to appear. He sat, and he sat, and he must have dozed off, for he woke with a start as the sun was just about to set. Much to his amazement, there were no baby bunnies, none whatsoever.

“Maybe they forgot,” he thought, “but surely they’ll remember tomorrow.” With that, he hobbled off to his burrow in the wood.

The next day and the next, a saddened Grampa-Lop waited and waited for the children who never came. Finally, in desperation, he began hopping towards the thicket in the wood, searching for some sign of the bunnies.

As he hobbled down the twisted path, leaning heavily on his cane, he came upon one of the older rabbits.
“Good day to you,” he said as he bowed stiffly. “I’m looking for all the little rabbits of the wood. You see, I used to tell them stories but they’ve stopped coming to see me.”

“A good thing, too!” snorted the older rabbit. “All those bunnies ever learned from you was to lie and tell their own stories.”

Grampa-Lop was shocked. “But I never taught them to lie,” he said. “I only told them the wondrous and magical tales of the forest.”

“You won’t anymore,” huffed the rabbit as he hopped quickly back to the thicket.
With a tear trickling down his cheeks, a much older and sadder Grampa-Lop went back to his burrow in the wood.

With nothing to occupy his days now, Grampa-Lop wandered aimlessly about the forest. Once or twice he even went to the thicket in the wood, but as soon as he appeared, the older rabbits would herd the little bunnies to the opposite side.

“Go away!” they shouted. “Old, old rabbits aren’t wanted in our thicket.” With that, all the rabbits scurried to their burrows.

All alone, Grampa-Lop would hop away from the thicket and return to his part of the woods.

The baby bunnies did as they were told, but they could never forget the magic of the Wizard of the Wood. Sometimes, when they were all alone, they would whisper about how much fun it had been, but most of the time they would just shuffle about the thicket, making dust and feeling very sad.

The older rabbits tried to cheer them up, and sometimes they would even tell a story; but it just wasn’t the same.

It got so bad that the little bunnies began to bicker among themselves. It would start innocently with one bunny bumping another bunny, but it always ended in a tangle of arms, legs, and ears as they wrestled on the ground.

Finally, some of the older rabbits couldn’t stand it any more and called all the rabbits together.

“This has got to stop,” they said. “With all this moping and bickering, nothing is getting done. Food isn’t being collected, new burrows aren’t being built, and winter’s coming.”

“If we could just hear the magical stories of Grampa-Lop,” said one of the bunnies, “we wouldn’t get into so much trouble.”

“But there is no such thing as magic!” fumed the older rabbits. “You lied about that before.”

“We didn’t lie. We told you the truth, and if you’d go with us we’d show you that there really is magic.”
The older rabbits thought for a moment and then decided. “We will indeed go with you to your Wizard of the Wood, if only to prove that there is no such thing as magic.”

They all hopped into the forest and down the long, twisty trail to the stump where Grampa-Lop sat waiting.

He sat as he had always sat, sunning himself and gazing softly into the sky. The little bunnies quickly sat at his feet, while the older rabbits sat disbelievingly on an old, rotting log.

Grampa-Lop leaned back and, with a gleam in his eye, began in a very soft, low voice: “Once upon a time in a land of mist and magical things there was an enchanted forest…”

The older rabbits looked on in wonder as Grampa-Lop began to stand straighter and straighter. The sunlight began to flash from his bright brown eyes as he told the tale, and sparkles of magic began to twinkle in the forest around them. As the story wore on, his fur turned from grey to silver, and he truly became the Wizard of the Wood.

All the rabbits, young and old, were totally enchanted as the story came to a beautiful ending. The moment was so beautiful, some of the older rabbits even had tears in their eyes.

No one said a word, so afraid were they to break this magical spell; but one by one they rushed to Grampa-Lop and hugged him with all the love in their hearts.

The older rabbits never apologized for the wrong they had done the bunnies and Grampa-Lop, for everyone knew that sometimes even older rabbits make mistakes, too. But every day now, at exactly the same time, all the rabbits hop from the thicket and rush to listen to Grampa-Lop become the Wizard of the Wood.

LISTEN TO THE OLDER ONES,
THEIR GOLDEN STORIES TRUE;
THEN REMEMBER GRAMPA-LOP
AND THE MAGIC HE SHOWED YOU.

Stephen Cosgrove
Grampa-Lop
Los Angeles, Sloan Publishers, Inc., 1981